Como funciona um carro elétrico e o que saber antes de ter um
Carro elétrico é muito mais simples, mas tem peças diferentes que influenciam em sistemas de recarga e até na frenagem
Os carros elétricos já estão mais comuns no trânsito brasileiro. O lançamento dos BYD Dolphin forçou os outros fabricantes a começarem a deixar de ver seus elétricos como produtos de nicho: reduziram os preços e começaram a vender como nunca.
Porém, ainda são comuns dúvidas em relação aos modelos elétricos: você sabe qual é a infraestrutura necessária para instalar um carregador em casa, por exemplo?
Também existem alguns termos que (quase) todo mundo utiliza sem saber que estão errados.
Mas não precisa ficar preocupado, pois QUATRO RODAS conversou com especialistas para responder às perguntas e acabar com alguns mitos. Afinal, você logo poderá ter um carro elétrico na garagem.
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Como funciona o motor de um carro elétrico?
É muito mais simples que um carro a combustão, acredite. Em vez da explosão controlada do combustível, o motor elétrico funciona graças ao eletromagnetismo, a partir do princípio de que os campos magnéticos com polaridades iguais se repelem.
Há duas peças mais importantes. Na parte externa do motor elétrico está o estador, que costuma ser feito de condutores de cobre. Dentro dele está o rotor, encaixado no meio do estator. Um campo magnético criado pela eletricidade no estator gira o rotor e, consequentemente, gera potência e torque para as rodas de um carro elétrico.
Contudo, é o conceito usado no rotor o que define dois tipos básicos de motores elétricos de corrente alternada usados em carros:
Assíncronos: também conhecidos como motores à indução, são os motores elétricos mais convencionais e baratos, pois não utilizam materiais caros, como é o caso dos ímãs permanentes. Neste tipo de motor, o campo magnético do estator rotaciona em uma velocidade diferente do rotor.
Grosso modo, é como um gira-gira infantil: as mãos que empurram o brinquedo seriam as três fases de corrente alternada. Elas criam um campo magnético pelas bobinas de cobre no estator, movimentando o rotor e, através de um diferencial aberto, as rodas. Esse impulso precisa ser mais rápido que o rotor, caso contrário não haveria acréscimo de movimento.
Se a velocidade do rotor é maior que a do campo magnético do estator, ele gera energia: é a regeneração ou frenagem regenerativa, que gera eletricidade que retorna à bateria do carro.
Síncronos: são aqueles em que o rotor gira exatamente na mesma velocidade que o campo magnético girante, independente da carga imposta. A eletricidade se alterna pelas bobinas, atraindo os ímãs nessa “ciranda” sem que haja diferença de rotação. Por isso, são esses os motores que, de fato, entregam torque e potência instantâneos, sem o “escorregamento dos assíncronos.
Contudo, nestes motores há materiais ferromagnéticos no estator e também no rotor. Custo e fragilidade dos ímãs, porém, faz com que sejam mais comuns em carros que dependam de maior potência.
Nestes motores, a regeneração acontece com a inversão do sentido do campo magnético, o que costuma gerar uma sensação de desaceleração maior.
O que faz o carro elétrico funcionar?
Basicamente, é a energia armazenada na bateria. É a capacidade da bateria, apresentada em quilowatt-hora (kWh), o que aumenta a autonomia do carro elétrico.
Contudo, as baterias armazenam a energia em corrente contínua (DC), enquanto os motores de carros elétricos funcionam em corrente alternada (AC). Apenas pequenos veículos elétricos utilizam motores de corrente contínua. Quando mais potência é necessária, motores AC são mais seguros e confiáveis.
Então o carro elétrico também demandará um inversor, que será responsável por converter a corrente DC da bateria para acionar o motor elétrico AC. Este componente também vai converter a corrente AC gerada pelo motor elétrico nas desacelerações para recarregar a bateria.
Recarga AC e DC em carros elétricos
Como as baterias armazenam energia em corrente contínua, a recarga rápida de carros elétricos sempre é proporcionada por carregadores DC. A energia pode seguir direto para a bateria.
É diferente do que acontece com carregadores AC: a energia precisa passar pelo carregador on-board do carro, que é um outro inversor. É a potência máxima dele que vai limitar a potência de recarga AC. O problema é que carregadores on-board mais potentes encarecem muito os carros elétricos.
Por exemplo, na Europa os fabricantes costumam estabelecer os carregadores on-board de 11 kW como padrão e oferecem os de 22 kW como opcionais. Os BYD economizam nisso, pois a potência máxima de recarga AC é de 6,6 kW.
Quanto custa carregar um carro elétrico em casa?
Vamos usar como exemplo o BYD Dolphin, o carro elétrico mais vendido do Brasil. O hatch tem uma bateria de fosfato de ferro-lítio de 44,9 kWh.
Perguntamos a Carlos Roma, Diretor do Grupo de Infraestrutura e integrante do Conselho Diretor da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE), qual seria o custo de recarregá-la. “Levando-se em consideração que o kWh custa R$ 1 em São Paulo, custaria cerca de 45 reais uma recarga total”.
Totalmente carregada, a bateria do Dolphin garante 291 km de autonomia, segundo o Inmetro. Para termos um parâmetro de comparação, o Renault Kwid, o carro a combustão mais eficiente do mercado brasileiro, precisaria de R$ 106 para rodar a mesma distância – o cálculo foi feito com base no consumo misto cidade/estrada com gasolina (a R$ 5,61/Litro).
Mas essa situação de recarregar de 0 a 100% é altamente improvável. “Você nunca chega zerado, você vai aprendendo dirigindo o carro elétrico e costuma chegar com 20%, na pior das hipóteses. O ideal é que você trabalhe de 20 a 80% da bateria”, afirma o especialista.
No Dolphin, leva 7h para carregar a bateria de 30 a 80% em com um carregador portátil de 3,3 kW. Esse tempo cai para 3,5h com um wallbox com potência de 6,6 kW.
A potência do carregador doméstico não influencia o valor da conta. Mas é importante lembrar que o não se paga num posto de gasolina, paga-se na conta de luz no fim do mês. Além disso, a recarga em carregadores públicos custa mais caro: entre R$ 1,80 e R$ 4,00/kW. A depender do carro com o qual o elétrico é comparado e do consumo real, o custo da energia pode anular a economia.
Como é calculado o torque dos carros elétricos?
Pode ser feito um cálculo teórico a partir da tensão e corrente aplicada ao motor e da potência gerada por ele. Mas o melhor é medir em dinamômetro.
Nos motores a combustão, há torque e potência apenas com o motor em giro, mas nos elétricos, pelo fato de haver forças magnéticas de atração e repulsão entre o rotor e o estator, há torque mesmo sem rotação.
Isso pode ser comprovado em uma ladeira: o motor elétrico sem movimento pode manter o veículo parado no aclive, sem precisar girar um câmbio automático, como ocorre nos carros a combustão.
Carro elétrico não tem marchas?
Ao contrário dos motores a combustão, que necessitam de muitas marchas porque só conseguem entregar o melhor rendimento em uma determinada faixa de giro, os elétricos funcionam bem com apenas uma marcha porque estão sempre em rotações elevadas, geram o tempo todo torque abundante e são eficientes em uma ampla faixa de rotação.
Na verdade, são poucos os carros elétricos que têm marchas. Mas todos têm uma caixa de engrenagens acopladas em cada um dos seus motores. Essas engrenagens estabelecem uma relação que melhor atende as necessidades de uso do motor.
Mas nem sempre essa necessidade é cumprida com uma só marcha. Tanto que os Porsche Taycan e Audi RS e-tron GT têm um câmbio automatizado com duas marchas montado no motor traseiro, cujo objetivo é ter uma marcha reduzida para melhorar o desempenho em arrancadas.
A alemã ZF desenvolveu uma caixa de duas marchas para carros elétricos convencionais e defende que o componente extra é capaz de aumentar a autonomia em 5%.
Por que carros elétricos ainda utilizam a bateria de 12V?
A bateria de 12V alimenta os sistemas periféricos do veículo, como comandos dos vidros, travas e retrovisores, luzes internas e som – todos criados para carro a combustão.
Para usar as baterias de alta-tensão, que alimentam o motor, todos os periféricos teriam de ser reprojetados e produzidos exclusivamente para o carro elétrico, o que deixaria o projeto ainda mais caro.
A bateria de 12V também controla as baterias de alta-tensão. Assim, quando ela é desativada, todo o conjunto elétrico é desligado por motivos de segurança. É um componente tão importante que a troca da bateria de 12V faz parte do plano de revisão do Renault Kwid E-Tech: acontece a cada 40.000 km.
Carros elétricos podem ser carregados sob chuva?
É como abastecer o carro a combustão e usar o celular por perto: na prática pode, mas, de preferência, não. Porém, se a instalação do eletroposto for seguida corretamente, e existem normas para tanto, a proteção irá atuar antes ou no momento de fuga de corrente.
Além disso, o projeto dos conectores do carregador e da tomada do carro naturalmente isola o contatos metálicos de água da chuva. Por isso as tomadas dos carros elétricos têm capas de proteção, que devem sempre estar no lugar quando o carro não estiver recarregando.
Como é avaliada a capacidade da bateria do carro elétrico?
O padrão para representar a capacidade das baterias é kWh (quilowatt-hora), unidade que indica a quantidade de energia transmitida de maneira constante durante uma hora ou 120 ml de gasolina.
Seu desempenho está relacionado à capacidade, mas não necessariamente ao tamanho do conjunto. Neste caso, estamos falando de densidade energética. Por exemplo, o Zeekr 007 tem duas baterias: uma bateria de 75 kWh cuja química é fosfato de ferro-lítio (LFP) e outra de 100 kWh cuja química é de níquel-cobalto-manganês (NCM), e ambas têm o mesmo tamanho. Logo, a bateria de NCM é mais densa que a de LFP.
Quais são os padrões para calcular autonomia dos carros elétricos?
No Brasil, são utilizadas as normas NBR 7024 e NBR 6601, que consideram o uso 55% urbano e 45% rodoviário. Além disso, é aplicado um fator de correção com o objetivo de apresentar um resultado mais próximo do uso real. Justamente por causa dessa correção, o padrão PBEV tem autonomia mais pessimista.
Já o WLTP (Worldwide Harmonized Light-Duty Vehicles Test Procedures) tem variações de velocidade e tempo, é baseado em condições reais e se firmou como aferição mais realista (e confiável). É o padrão europeu.
Há também o EPA (US Environmental Protection Agency), padrão atual nos EUA.
O NEDC (New European Driving Cycle) é mais antigo e segue um ciclo cartesiano, com gráficos de velocidade x tempo em patamares constantes. Normalmente, o NEDC costumava ser mais otimista quanto à autonomia, mas caiu em desuso.
Não se pode confundir com o CLTC (China Light-Duty Vehicle Test Cycle), que é o padrão utilizado na China e extremamente otimista. O teste é feito em dinamômetro em um laboratório com temperatura, pressão e umidade específicos, com um ciclo baseado no uso dos chineses e também em seu comportamento mais dócil ao volante.
Por exemplo, o BYD Seal com bateria de 82,56 kWh alcança 650 km no padrão CLTC, 520 km no WLTP e 372 km no PBEV, do Inmetro.
Qual é a infraestrutura para instalar um carregador de carro elétrico?
A linha residencial doméstica já é suficiente para instalar carregadores mais simples, exigindo apenas o aterramento e dispositivos como disjuntores residuais e monitores de isolação que, na prática, são obrigatórios para qualquer instalação elétrica residencial.
As residências do Brasil têm os padrões monofásico (110 V) e bifásico (220 V), que permitem a instalação de wallboxes com potência entre 3,3 kW e 7,5 kW. Para chegar aos 11 kW e 22 kW é preciso de um sistema trifásico com, no mínimo, 380 V.
Indo mais além, a instalação de um carregador rápido DC é mais complexa e pode até exigir uma subestação de energia. Sem contar que um carregador DC mais fraco, com 30 kW, custa cerca de R$ 80.000. Um carregador de 150 kW chega a custar R$ 400.000.
Por que carga rápida de carro elétrico nunca atinge 100%?
É para proteger as baterias de íon-lítio. Para se ter uma ideia, é como tentar encher um copo com uma torneira de alta pressão sem derrubar nenhuma gota de água para fora.
O funcionamento básico dos carregadores é o mesmo. O sistema aumenta a corrente elétrica aos poucos até um limite pré-programado, e o mantém pela maior parte do tempo.
No entanto, quando ele se aproxima da capacidade máxima (geralmente próximo dos 80 ou 90%), o controlador passa a reduzir gradualmente a quantidade de energia que vai para o acumulador para evitar danos nas baterias.
O motivo é que o íon-lítio requer mais corrente para armazenar eletricidade quando está próximo de sua capacidade máxima. Como isso pode gerar sobrecarga – algo crítico nesse tipo de bateria –, um sistema de proteção reduz o fluxo de energia, aumentando o tempo necessário para chegar a 100%.
Quanto tempo dura a bateria de um carro elétrico?
Baterias de carros elétricos costumam ter garantia de 8 anos, mas isso não quer dizer que a bateria só vá durar 8 anos. Isso depende muito mais dos ciclos de recarga.
Hoje, há baterias que podem suportar mais de 3.000 ciclos. Logo, se o carro roda 300 km por carga, a bateria duraria o suficiente para percorrer 900.000 km – coisa que poucos carros a combustão fazem.
Essa estimativa de quilometragem, claro, não considera a degradação natural da bateria. Carro elétrico está sujeito ao mesmo problema do seu smartphone: perde capacidade de carga com o passar do tempo.
Uma informação interessante passada pelos engenheiros da GM no laboratório de testes de baterias da empresa, em Warren (Michigan) é que os Chevrolet Bolt que alcançaram os 160.000 km rodados (100.000 milhas) ainda têm 94% da capacidade original das baterias, uma perda de apenas 6%. É menos do que os 80% que a empresa estimava.
Glossário do carro elétrico
Analogia comum para explicar conceitos de eletricidade envolve uma mangueira de jardim. A pressão do encanamento seria como a tensão (medida em volts), enquanto a largura dessa mangueira seria a corrente (medida em ampere). Como a energia, medida em quilowatts (kW), varia em função da “voltagem” e “amperagem”, carros com sistema de 800 V se destacam por um fluxo energético mais eficiente. As baterias são medidas em quilowatt-hora (kWh), que equivale a 1 kW de energia sendo gerado por uma hora ou 120 ml de gasolina.