Nunca antes na história deste país havia sido feito um SUV conversível. Pena que o primeiro seja exemplar único, criado meio que às pressas para uma única missão: transportar o presidente e o vice-presidente do Brasil.
QUATRO RODAS foi até a fábrica da Renault em São José dos Pinhais (PR) para conhecer e dirigir o Renault Kardian Conversível, criado para o anúncio de um novo ciclo de investimentos naquela unidade no início de agosto. Vale adiantar que este ciclo prevê um SUV médio, maior que um Kardian, mas não um carro com teto retrátil.
“O Ricardo Gondo [presidente da Renault do Brasil] me ligou no final da quinta-feira para passar a missão. Então chamei o gerente de carrocerias e na mesma hora definimos onde fazer os cortes para não comprometer a estrutura do veículo. Começamos a executar o projeto já na sexta-feira”, conta o diretor de Fabricação na Renault do Brasil, Vagner Mansan, sobre um dos seus últimos projetos antes de se aposentar.
Mansan trabalha na Renault há 26 anos, desde que a fábrica de São José dos Pinhais era finalizada para iniciar a produção do Scenic. Conhece todos os processos das fábricas de automóveis e utilitários, e de pronto escolheu uma unidade pré-série dos Kardian de exportação para a transformação.
Essa escolha fez do Kardian conversível um carro ainda mais especial, pois tem motor 1.6 aspirado de 114 cv e câmbio manual de cinco marchas, um conjunto mecânico que não existe no Brasil. É, de fato, um carro único.
Existe uma tradição em criar carros conversíveis para os presidentes, mas na Volkswagen, que começou com isso ao inaugurar a fábrica de São Bernardo do Campo em 1959 e neste ano criou até um Virtus conversível. A Renault também quis embarcar nessa.
Retirar o teto de um carro não é tão simples. A equipe de aproximadamente 20 pessoas, escolhidas a dedo pela experiência, esteve envolvida no projeto. Na terça-feira seguinte, o teto já havia sido removido, junto com as molduras das portas e todos os cintos de segurança. Estes carros de exportação não têm airbags de cortina.
Ainda incluíram uma barra transversal interligando as colunas B, um ponto crítico para a rigidez do carro, para manter a integridade da estrutura e servir de apoio para os passageiros do banco traseiro. Os vidros elétricos foram desabilitados.
Era a hora de uma outra equipe entrar em ação para fazer os acabamentos. Sem a parte superior, com o vidro, a tampa do porta-malas foi inutilizada e recebeu uma estrutura e acabamento por cima: um vinil que, na verdade, é a capota marítima de uma Renault Oroch. O mesmo material foi usado para revestir os pontos que foram cortados na carroceria, inclusive a borda da moldura do para-brisa.
Na verdade, foram um pouco mais além. O carro inteiro aparenta ser da versão topo de linha no Brasil, pois tem as rodas aro 17 e os logotipos da Premiere Edition. Por dentro, a mesma coisa: faixa macia com costuras aparentes no painel, bancos com detalhes estilizados e quadro de instrumentos digital combinados com um console diferente: os carros manuais têm freio de estacionamento mecânico, assim como a versão de entrada Evolution.
Se o objetivo do carro era dar destaque aos passageiros enquanto desfilariam pela fábrica, ainda deram um jeito de elevar o assento traseiro: empilharam as espumas de dois assentos. É, inclusive, mais confortável ficar com as pernas a 90° enquanto sentado no banco traseiro e é possível enxergar acima da borda do para-brisa.
O fato do presidente Lula, do vice-presidente Geraldo Alckmin e do governador do Paraná, Ratinho Júnior, terem se acomodado naquele banco traseiro é um ponto positivo para o espaço do carro.
Só não é tão bom ocupar os bancos da frente. Foi o motorista do presidente Lula quem dirigiu o carro durante o evento. Ele certamente estranhou o pouco espaço disponível, pois a instalação da barra transversal limitou o ajuste dos bancos dianteiros. Conta-se que seu comentário ao ter conhecido o carro na véspera foi para o fato do carro ser manual. O carro nem estava pronto ainda.
Toda a decoração do carro, com um envelopamento em alusão à bandeira do Brasil, foi feito pelo time de design da Renault na madrugada que antecedeu o evento. Não havia margem para erros. E deu tudo certo, mesmo com menos de uma semana como prazo.
Passaporte negado
Esta unidade do Kardian possivelmente seria destinada ao México. Normas de emissões mais brandas permitem que a Renault ainda utilize o motor 1.6 16V SCe nos Kardian com câmbio manual para exportação e a resposta dele ainda é boa. As mesmas normas de emissões também permitem que a resposta ao acelerador seja mais imediata do que a percebida nos carros nacionais.
Difícil foi debrear a embreagem e controlar o acelerador com tão pouco espaço para as pernas, mas faz parte. Na verdade, para repetir o percurso do presidente pelos corredores da fábrica nem sempre foi possível aliviar a embreagem por completo, para não andar tão rápido.
Dirigir sem cintos de segurança também é particularmente estranho, mas a velocidade, mesmo na área externa da fábrica, foi limitada. Ainda assim, deu para notar que a retirada do teto deixou a carroceria com uma movimentação diferente e a suspensão mais firme.
O fato de não ter qualquer pretensão de transformar o Kardian conversível em um carro de produção em série até condiz com a realidade dos conversíveis. Também SUVs, os Nissan Murano e Range Rover Evoque conversíveis tiveram produção restrita no passado e ainda hoje soam como um devaneio de suas respectivas fabricantes.
Este Kardian tão especial será integrado ao acervo de carros históricos da Renault, junto com a primeira Scenic e o último Sandero R.S. De toda forma, a experiência de poder ver o céu poderia ser proporcionada de outra maneira: com um teto solar para o Renault Kardian de produção. Quem sabe?