Impressões: este caminhão de mineração aguenta tanto peso que é “ilegal”
Em ambiente fechado, Constellation 32.360 carrega o dobro do peso permitido por lei em vias públicas. Eletrônica ajuda a aumentar vida útil do veículo
O YouTube está povoado de vídeos mostrando a destreza de caminhoneiros trocando marchas usando três alavancas distintas, ligando motores com maçaricos e outras peripécias técnicas.
A vida no século XXI, porém, é bem menos divertida – mas muito mais segura.
“Os caminhões modernos possuem uma série de recursos para facilitar a vida do motorista e ampliar a vida útil do veículo”, conta Ricardo Yada, gerente de marketing da Volkswagen Caminhões de Ônibus.
QUATRO RODAS pôde ver na prática o que significa esses recursos a bordo do recém-lançado Constellation 32.360 em configuração voltada para a mineração.
O modelo parte de R$ 315.000 na configuração de entre-eixos curto e R$ 325.000 no longo, mais o custo do implemento. No caso da caçamba basculante de 16 m³ da Rossetti, são mais R$ 76.000.
Essa especifidade para mineração não é à toa.
Caminhões normalmente são projetados para aplicações específicas, como operar em piso de cascalho com mais de 14 toneladas na caçamba. Na verdade, o 32.360 leva muito mais peso. Tanto que é ilegal.
Meu terreno, minhas regras
Pelas regras brasileiras, caminhões têm uma série de limites de peso por eixo, variando entre 6 e 8,5 toneladas.
Por isso, veículos pesados possuem dezenas de pneus: isso permite uma melhor distribuição da carga para não danificar o asfalto e poder passar nas balanças em rodovias.
Só que essas regras não se aplicam dentro de fazendas, mineradoras ou outras propriedades fechadas – afinal, dentro delas não há vias públicas.
“Muitos caminhões só operam dentro da empresa, o que permite que eles levem mais peso do que o PBT (peso bruto total) homologado”, explica Yada.
Não que os veículos operem acima de sua capacidade. Na verdade, a capacidade técnica (PBTC) do caminhão vai além da exigência legal, e é essa gordura que o cliente usa quando o caminhão não sai para a estrada.
No caso do Volkswagen, ele pode levar o mais que o dobro das 18 toneladas “legais” em locais fechados. No final do dia isso resulta em duas vezes mais pedras levadas para cima e para baixo.
Subir e descer ladeiras quase sempre cobertas com cascalho e outros materiais de baixa aderência é um desafio à parte. O menor atrito é resolvido de maneira relativamente fácil: adiciona-se mais tração.
Essa versão do Constellation sempre é 6×4, com ambos os eixos traseiros tracionando o tempo inteiro.
Isso piora o consumo, mas eficiência energética não é exatamente o forte desse tipo de caminhão. “O motorista sempre anda a baixas velocidades, e quase nunca passa dos 20 km/h.”
Esse uso para lá de severo se reflete em um gasto elevado de combustível: dificilmente durante a operação o Constellation passa dos 2 km/l de diesel.
Redução da redução
O motor de seis cilindros em linha da Cummins usado nessa versão tem números mais do que respeitáveis: são 8,9 litros de deslocamento e 360 cv a 2.100 rpm.
Como todo caminhão, porém, o que mais importa é o torque, e isso ele tem de sobra. São 169,3 mkgf, disponíveis entre 1.200 e 1.400 rpm.
A menor faixa de operação do motor faz com que o câmbio tenha o máximo de marchas possíveis. Antigamente as marcas costumavam usar um câmbio equipado com uma reduzida, que duplicava as marchas disponíveis.
Hoje em dia usa-se mais relações. No caso deste Volkswagen são 16 marchas da caixa automatizada ZF, sendo que a primeira tem relação de 17,02:1. Como referência, um carro popular 1.0 com primeira marcha curta dificilmente supera os 4,00:1.
Detalhe: além do câmbio, este caminhão conta com outras duas reduções. A primeira está no diferencial, como em qualquer outro veículo.
A segunda redução, que é o pulo do gato para essa aplicação, está no cubo das rodas. Ela multiplica novamente a força do motor para, em primeira marcha, a força do motor ser amplificada 77 vezes.
Na prática as marchas iniciais são tão reduzidas que são usadas apenas para o caminhão sair do lugar. A primeira marcha, por exemplo, é trocada antes mesmo da roda completar um giro.
Proteção eletrônica
Trocar todas essas marchas não é problema para o Constellation 32.360. Nessa versão a Volkswagen optou por usar uma caixa automatizada, que tem a mesma lógica das usadas em automóveis.
Do ponto de vista mecânico, é um câmbio manual, mas atuadores controlados por software fazem o trabalho de troca de marchas e acionamento da embreagem.
Como este VW também tem acelerador eletrônico, o câmbio possibilitou o uso de diferentes recursos, como off-road (que opta por um mapa de trocas mais demorado) e modo manobra.
Nessa função o acelerador altera bruscamente seu tempo de resposta. Ele fica muito mais lento, e mesmo pisando fundo o conta-giros não passa das 1.400 rpm, limitando a velocidade do caminhão a alguns poucos quilômetros por hora.
Isso facilita manobras e limita as “cabeçadas”, situação em que o caminhão acelera bruscamente e faz com que a cabine empine rapidamente, chegando a erguer as rodas dianteiras.
O câmbio também possui um modo sequencial de dois estágios, que permite o avanço (ou redução) de uma ou duas marchas simultaneamente.
E, como em caixas usadas em automóveis, um mecanismo de proteção impede que o motorista tente colocar uma marcha incompatível com a velocidade do caminhão.
Por fim, o pacote de anjos da guarda (do caminhoneiro e do bolso do patrão) está no assistente de partida em rampa.
Velho conhecido de veículos modernos, ele ainda é raro entre os pesados e pode ser a diferença entre uma saída tranquila e um acidente.
“Não são raros casos de motoristas que não conseguem sair de ladeiras e perdem o controle”, conta Yada.
Um dos motivos para isso acontecer é a perda de aderência do eixo dianteiro (que se levanta com o excesso de aceleração e mudança da massa pro eixo traseiro) e consequente perda do poder de frenagem, fazendo com que o caminhão role ladeira abaixo.
Essas proteções, além de reduzirem a chance de acidentes, também aumentam a vida útil dos componentes, especialmente a embreagem, que pode chegar aos 70 mil quilômetros.
Para o empresário isso significa menos tempo com o veículo parado e maior produtividade.
Devagar e sempre
Por questões de segurança, o test-drive do Constellation foi restrito a um curto circuito dentro da Mineradora Santiago Santa Luzia, em Santa Luzia (MG).
A condução é muito similar a um automóvel, salva as proporções exponencialmente maiores.
O câmbio exige que o freio seja acionado para trocar de neutro para drive (e vice-versa), e não há creeping, aquele acoplamento parcial da embreagem para fazer o veículo se mover quando o freio é aliviado.
A direção hidráulica é mais pesada do que a de um carro, mas ainda entrega maciez que destoa dos enormes pneus 295/80 R22.5 controlados por ela.
O freio demanda mais aprendizado, por ser a ar. Ao contrário do sistema hidráulico, que reduz a frenagem conforme você alivia o pé, no sistema a ar a frenagem só para quando o pedal é totalmente liberado.
Eventualmente você precisa soltar o pedal e acionar ele novamente, produzindo o clássico “tsii tsii” que alguns caminhões antigos fazem em frenagens bruscas.
Se precisar parar rapidamente o motorista do 32.360 não precisará disso, pois o chassi vem com ABS com EBD de série. E como também há controle de tração, acelerar em uma subida de baixa aderência é uma tarefa fácil mesmo para quem nunca dirigiu um caminhão de mineração, como eu.
O motor responde de forma suave, mas é preciso se acostumar com o tempo de troca do câmbio automatizado. Ele é quase tão lento quanto os primeiros Dualogic, exigindo uma aceleração maior em subidas para não perder o embalo.
Uma alternativa é colocar o câmbio em modo manual sequencial ou manter o conta-giros dentro da faixa verde do tacômetro, impedindo que a transmissão (que não tem sensor de inclinação e não sabe se o veículo está em subida ou descida) avance as marchas.
Soluções nacionais
O mais interessante do Constellation 32.360 é a aplicação de diferentes soluções para atender a mercados específicos.
Essa peculiaridade dos caminhões fez com que a própria Volkswagen Caminhões e Ônibus criasse a BMB, uma divisão que faz diferentes adaptações nos veículos da empresa.
Uma dessas alterações é específica da linha Compactor, para caminhões de lixo.
A engenharia do grupo adaptou um manete normalmente usado em cavalos mecânicos para que o motorista tenha controle independente do freio traseiro para saída em rampas — nessa versão não há assistente de partida em subidas.
O desafio da VW, agora, é suprir o mercado que será deixado pela Ford.
A marca já anunciou que seus concessionários podem fazer a manutenção dos veículos da concorrência (que compartilham diversos componentes, como motores e câmbio), mas ainda é cedo para saber quem vai herdar o filão da outrora quarta maior marca de pesados do Brasil.
Certamente o futuro não será fácil para as empresas do setor, ao contrário dos caminhoneiros. Para eles, dirigir os pesados nunca foi tão tranquilo e seguro.