O Honda Civic Type R é reconhecido por ser um dos esportivos mais viscerais com tração dianteira no mundo. O que o levou a isso e aos recordes de tempo de volta em Nürburgring e Suzuka foi a preocupação quase doentia com os detalhes. É cada peça convencional trocada por uma mais leve, cada apêndice aerodinâmico e cada reforço o que tenta justificar seu preço de lançamento no Brasil: R$ 429.900.
Sim, é muito caro e não vai vender muito. Mas isso é uma constante para o Civic Type R em todos os mercados onde é comercializado. E até que a cota de 100 unidades anuais e que a Honda do Brasil projeta importar é um bom número: o último Civic Si 1.5 turbo só teve 130 unidades importadas.
É preciso ponderar que os Honda Civic Type R destinados ao Brasil não são exatamente iguais aos recordistas da Europa e do Japão. Os 330 cv disponíveis por lá já havia caído para os 320 cv nos Estados Unidos por adequação ao combustível.
Por aqui, a face conservadora da Honda ficou ainda mais latente: são 297 cv a 6.500 rpm e os mesmos 42,8 kgfm, porém disponíveis em uma faixa de rotação menor: de 2.600 a 3.500 rpm, em vez de entregar o pico aos 2.000 rpm. A justificativa para isso é a mistura de álcool na nossa gasolina. Só que em 2015 esse motor já rendia 310 cv lá fora.
O motor é o K20C1, um quatro cilindros 2.0 turbo com injeção direta que acompanha o esportivo desde 2015. Otimizações para reduzir a inércia do turbocompressor, melhorar o fluxo de ar na admissão e no escape e até a presença de um circuito de arrefecimento no coletor de escape só deixam ganhos na curva de torque e nas respostas do motor.
Também seguindo a tradição, a Honda não divulga números de desempenho no Brasil. Teremos que aguardar o teste em nossa pista para saber se o esportivo ainda crava algo próximo dos 5,4 s de 0 a 100 km/h divulgados no exterior.
Muito além de um Civic
Por um acaso o Type R é um Civic, um carro que não estamos acostumados a associar a carros esportivos. A carroceria é do Civic hatch, que não temos no Brasil em configuração civil há cerca de 25 anos – ou seja, desde que o primeiro Civic Type R surgiu no Japão –, o que ajuda a ver este carro como um ser completamente diferente do Civic e:HEV, híbrido, de R$ 244.900.
Importada do Japão, a versão mais potente do Civic é resultado de uma sociedade rara entre forma e função. O para-choque tem tomada de ar inferior maior e mais larga: no meio, o ar arrefece o intecooler e nas laterais está a tomada dos dutos de arrefecimento dos freios Brembo, com quatro pistões na dianteira.
O controle da pressão nas caixas de roda, com direito a saídas direcionadas nos para-lamas, reduziram a pressão dos freios em até 60°C após um mesmo teste na comparação com a geração anterior, diz a Honda.
A grade superior também é funcional. O ar que passa por ali e não é admitido pelo motor sai pelo capô (que é de alumínio, muito mais leve), um fluxo que aumenta o downforce em 4,8 kg na dianteira em alta velocidade. Os spoilers na base do para-choque frontal têm os mesmos efeitos, gerando 21 kg a 200 km/h.
Os apêndices aerodinâmicos também estão na traseira, com destaque para o aerofólio que gera até 59 kg de downforce a 200 km/h e para o extrator e para as falsas saídas de ar nas laterais do para-choque: as duas peças geram uma zona de baixa pressão que faz o ar fluir melhor. As três saídas de escape melhoram o timbre de acordo com o modo de condução, graças a uma válvula.
A tampa do porta-malas é de material compósito, um tipo de plástico, o que a torna 20% mais leve que a convencional de aço. O porta-malas tem 337 litros, mas poderia ter 410 litros se não tivesse estepe ali como um peso extra muito mais fácil de ser retirado do que mudando materiais da carroceria. Com 1.449 kg, o Type R é só 2 kg mais leve que a versão híbrida.
O pragmatismo da Honda é tamanho que as rodas deste Civic Type R têm 19 polegadas, são menores que as do anterior, com aro 20″. É fruto de um certo compromisso da Honda com o conforto quando o carro não precisar ser um esportivo, mas as rodas têm desenho pensado para o máximo contato dos pneus com o asfalto. Por sinal, os pneus também têm grife: são os Michelin Pilot Sport 4S com medida exclusiva, 265/30 R19.
O carro não é só mais baixo, como também tem bitolas 9 cm mais largas. É parte da estratégia para ter mais aderência nas curvas, junto com a suspensão dianteira McPherson com eixo duplo, que mantém os amortecedores quase imóveis nas curvas e inibe movimentos na direção provocados pela força do motor. Além disso, o ângulo de camber (cambagem) é visivelmente positivo.
A suspensão traseira multilink é beneficiada pela rigidez da carroceria quase 16% maior que a da versão híbrida. Além disso, os amortecedores são ajustáveis, magnetoreativos.
Brinquedo de gente grande
Os amortecedores mudam seu comportamento junto com a direção, o comportamento do motor, o ronco do escape, o layout do painel e até mesmo com a reação do sistema de punta-tacco automático nas reduções de marcha. Têm três modos de condução, Comfort, Sport e +R, além do modo Individual que permite misturar os parâmetros dos três modos.
Mesmo no modo Comfort, o Civic Type R está bem além de um Civic normal. A posição de dirigir ainda mais baixa que a do carro normal ajuda a criar o clima de esportivo, junto com os bancos dianteiros concha revestidos de um camurça vermelho pouco discreto. Cintos também são vermelhos, mas o volante é preto com costuras vermelhas. Exagero não é um problema em um carro como esse.
Logo ao sair com o carro dos boxes do autódromo Velocitta, surpreende como é dócil. Esqueça esportivos manuais com embreagem pesada e acoplamento que exige rotação. Mesmo que o volante do motor seja 18% mais leve e tenha inércia 25% menor, arranca mais fácil que os antigos Civic Si. E o câmbio manual de seis marchas é perfeito. Não há outra palavra para o engate e o curso da alavanca, que vai reto de segunda pra terceira e de quarta para quinta.
Talvez o freio pudesse ser um pouco mais sensível, mas é apenas um talvez. O Civic Type R é daqueles carros perfeitos para encarar dezenas de voltas em track days e este primeiro contato de quatro voltas foi quase um demo de jogo, com aquela mistura de ansiedade para um maior contato e uma decepção por não poder ter um maior contato agora.
Conhecidas as respostas do carro, hora de ativar o modo +R e procurar os limites deste Civic a partir de um controle de largada. Esperei anos por isso.
O motor 2.0 passa a rugir alto, o quadro de instrumentos passa a destacar a rotação do motor com a zona vermelha a partir de 7.000 rpm e acima dele uma sequência de luzes vai me indicar a hora de trocar a marcha, junto com um apito.
Piso na embreagem, acelero ao máximo e solto o pedal da esquerda: o carro salta para a frente enquanto controla a aderência pela aceleração. Encaixo a segunda marcha e reparo que o final dela é exatamente após romper a barreira de 100 km/h. Uma chicane de cones em seguida me prova como os níveis de velocidade de contorno de curva para esse carro são alto.
Pensando bem, talvez os limites do Civic Type R estejam muito além do seu motor 2.0 de quase 300 cv. A forma como ele apoia nas curvas, sem nem sequer ensaiar uma escapada de dianteira, me deixou embasbacado. Quando penso que isso pode acontecer, sinto o bloqueio do diferencial dianteiro (um componente mecânico, nada de atuação nos freios) entrando em ação para trazer o carro para dentro da curva. Os pneus mal gritam.
As respostas da direção fazem com que pareça ter menos que os 2,73 m de entre-eixos. No slalom, me sinto humilhado por acreditar que estaria entrando muito rápido e logo perceber que o Type R poderia estar ainda mais rápido. Mais que isso: existe uma sensação de poder fazer isso de maneira segura. Ele passa essa segurança necessária para acelerar em pista.
O próprio carro também ajuda a evoluir. A central multimídia da Honda não tem o visual mais atraente, nem funções tão vistosas, mas no Type R existe o chamado Honda LogR, uma espécie de data logger integrado ao carro que conversa com o smartphone do proprietário. Dá nota ao motorista, ao mesmo tempo que indica onde o motorista pode melhorar suas habilidades.
O sistema também grava informações de temperatura da água, ângulo da direção, taxa de Yaw (direção de rotação), pressão atmosférica, posição do pedal do acelerador, temperatura do ar de admissão, pressão de freio, temperatura externa, pressão do óleo do motor, posição do pedal de embreagem, pressão do turbo e temperatura do óleo do motor. E ainda pode ser usado para gravar o traçado exibindo informações do quadro de instrumentos no vídeo.
Doses de realidade
GT4, GT2, Mercedes-AMG, GT-R, STi… Já havia experimentado algumas grifes esportivas na mesma pista. Todos impressionam, mas com alguma sensação ameaçadora em algum trecho da pista que o Type R não aflora.
Claro que frente a eles o nível de potência é menor, mas o nível de estabilidade que o Civic garante em todos os momentos impressiona muito. Tudo nele parece estar milimetricamente alinhado para ser desse jeito. É o tipo de carro com vaga cativa na lista de carros dos sonhos.
Considerando a vida no mundo real, o pacote de equipamentos está praticamente alinhado ao do Civic e:HEV. Inclui piloto automático adaptativo assistente de permanência em faixa, assistente de permanência em faixa, farol alto automático e 10 airbags,
Como opcional, há o pacote Traffic Alert, com monitor de pontos cegos e alerta de tráfego cruzado que eleva o preço inicial de R$ 429.900 para R$ 434.900. O detalhe é que neste primeiro ano todos os carros virão com o pacote opcional.
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Ficha técnica – Honda Civic Type R
Motor: gas., diant., transv., 4 cil., 16V, inj. dir., turbo, intercooler, 1.996 cm3, 297 cv a 6.500 rpm, 42,8 kgfm de 2.600 a 3.500 rpm
Câmbio: manual, 6 m., dianteira
Direção: elétrica; diâm. giro, 12,1 m
Suspensão: triângulos inferiores (diant.), múltiplos braços (tras.)
Freios: disco ventilado (diant.), disco sólido (tras.)
Pneus: 265/30 R19
Dimensões: comprimento, 459,4 cm; largura, 189 cm; altura, 140,1 cm; entre-eixos, 273,4 cm; peso, 1.449 kg; tanque, 47 l; porta–malas, 337 l