O temor é real. “O que está acontecendo é que os fabricantes de automóveis chineses têm uma vantagem no custo de produção de 30% em relação aos ocidentais. O que isso quer dizer? Quer dizer que, instantâneamente, se os fabricantes chineses vendessem na Europa os carros que têm hoje, poderiam eventualmente vendê-los a um preço que seria igual aos carros a combustão.” A fala é do presidente da Stellantis, Carlos Tavares, durante o Congresso Nacional da Ordem dos Engenheiros de Portugal, em janeiro. A conclusão do executivo é que isso representaria um banho de sangue para a indústria automotiva europeia, caso não se movimentem em direção à criação de carros elétricos baratos, como o Citroën e-C3.
Deste lado do Atlântico, o BYD Dolphin Mini está sendo lançado por R$ 115.800 e representa exatamente isso: um carro elétrico que pode ser comprado pelo mesmo preço de um carro a combustão. Mas não seguiu as expectativas de ficar na faixa dos R$ 100.000 como as versões automáticas mais baratas de Fiat Argo, Citroën C3, Toyota Yaris e Peugeot 208.
Quem entrou na pré-venda três dias antes do lançamento, reservando o carro pelo Mercado Livre, ainda recebeu um bônus de R$ 10.000. Sai por R$ 105.800 e ainda é entregue com carregador wallbox.
A grande notícia é que o consumidor brasileiro ao menos poderá comprar um elétrico em vez de um carro flex sem precisar fazer um investimento ou financiamento maior, sem abrir mão de equipamentos. Isso seria ainda mais dramático se a infraestrutura de carregamento no Brasil estivesse ao menos no mesmo patamar da Europa (onde ainda é insuficiente em algumas regiões), mas é uma mudança importante.
Por outro lado, mesmo se o Dolphin Mini tivesse motor a combustão ele seria uma pedra no sapato dos demais hatches compactos.
Essa versão tratada pela BYD como completa tem ajuste elétrico do banco do motorista, base de carregamento sem fio para smartphone e ajuste de profundidade da coluna de direção, todos itens que o Dolphin (R$ 149.800) fica devendo. Mas só tem quatro lugares: uma opção de cinco lugares virá nos próximos meses.
A lista de equipamentos de série ainda tem faróis e lanternas de led (só as setas têm lâmpadas convencionais), acendimento automático dos faróis, chave presencial, monitor de pressão e temperatura dos pneus e ar-condicionado digital (mas não é automático e não permite escolher a temperatura em graus Celsius).
Além disso, ele ainda preserva o material sintético macio nos bancos e em todos os detalhes rosa do painel. Essa cor de carroceria, Apricity White, ainda pode ter detalhes em azul-claro, enquanto os carros pretos têm detalhes em azul-escuro, os rosa têm interior rosa e os verdes terão interior azul, fechando as quatro opções de cores. Todas as partes contrastantes têm tamanho generoso e toque macio, o que proporciona sensação de qualidade acima do esperado entre os hatches. Deixa até mesmo os outros elétricos chineses em saia justa.
A despeito do nome, o BYD Dolphin Mini nem é tão mini assim. São 3,78 m de comprimento ou 10 cm a mais que um Renault Kwid, o que não é grande. Mas na altura de 1,54 m e na largura de 1,71 m equivale a um Fiat Argo. O seu segredo está nos 2,50 m de entre-eixos (mesma medida dos primeiros Hyundai HB20), pois os balanços dianteiro e traseiro são curtinhos.
Provavelmente, mal daria para colocar um motor a combustão sob o capô minúsculo, da mesma forma que o porta-malas de 230 litros (20 l menor que o Dolphin e sem iluminação) só leva uma mala grande e não traz tampão, nem o estepe – que o Dolphin tem.
Por fora, vale destacar os retrovisores (os mesmos do Dolphin, mas sem câmeras laterais) e maçanetas pintados, e as rodas que são de liga leve aro 16 (a medida dos pneus 175/55 R16 é inédita no Brasil, mas a BYD garante que importará mais deles para reposição). Não tem cara de “foi o que deu para comprar” como alguns modelos nessa faixa de preço.
O Dolphin Mini ainda tem outra coisa que o brasileiro adora cobrar nos outros carros: freios a disco nas rodas traseiras, mas tão pequenos que são pouco maiores que um CD. O freio de estacionamento é eletrônico e tem função auto-hold, mas não há nenhum botão para acioná-lo numa emergência: ou entra automático, em Parking ou acionando um comando perdido dentro das configurações da central multimídia. O mesmo vale para o desembaçador traseiro e para o ajuste de altura dos faróis: só na tela.
Velhas soluções para baratear o projeto de um carro também estão presentes. Há apenas um limpador dianteiro (pantográfico, como era no Toyota Etios, o que aumenta a área de varredura) e não tem limpador traseiro como os Dolphin maiores, o que é um problema real para a visibilidade sob chuva forte. Outra economia está em ter alto-falantes e twitters apenas na dianteira e com graves limitados para não haver sobrecarga.
Nome foi abrasileirado
Repare que ainda não há o nome do carro na traseira. É que o Dolphin Mini nasceu para ser vendido como Seagull e foi ideia do Brasil mudar o nome, que será usado em quase toda a América Latina.
Como faz parte da família Ocean, o painel tem semelhanças com o Dolphin maior. Os botões no centro do painel, onde também fica o seletor de marcha, são quase os mesmos, por sinal. As telas, porém, são menores.
Na verdade, o quadro de instrumentos digital nem é uma tela, mas a combinação de mostradores de cristal líquido que indicam velocidade, entrega de potência, autonomia e carga, com uma pequena tela colorida de baixa resolução no centro, com cerca de 2 polegadas – e não 7, como divulgam. Não é bonita, mas é funcional do mesmo jeito.
A central multimídia concentra as funções do ar-condicionado, de controle do carro e de entretenimento, mas tem 10,1 polegadas e não 12,3. Aqui no Brasil, há Android Auto sem fio e Apple CarPlay com fio. Pelo menos incluíram uma porta USB-C para fazer par com a USB convencional, que ficam em um porta-objetos sob o console flutuante.
Não há porta USB traseira – só um porta-objetos entre os bancos dianteiros. É uma pena, pois o espaço no banco de trás impressiona. Por ser uma versão de quatro lugares, também evita-se aquele constrangimento com o espaço para ombros, e adultos podem ficar à vontade quanto ao espaço para as pernas e para a cabeça.
Os mais preocupados com a falta de cinco lugares são os motoristas de aplicativo, ainda que o Renault Kwid E-Tech (que teve seu preço reduzido a R$ 99.990) também tenha quatro lugares e seja aceito pelas plataformas.
O que não dá para negar é que qualquer outro hatch automático à venda no Brasil tem mais de 100 cv. O motor elétrico do Dolphin Mini, porém, gera 75 cv como o motor 1.0 de um Fiat Argo. Isso não inspira muitas emoções, mas o torque de 13,8 kgfm já equivale ao de um Argo 1.3. e, no chinês, essa é uma força disponível de forma imediata.
O Dolhpin Mini é um carro com boa desenvoltura no trânsito urbano, ágil nas arrancadas e se defende muito bem até os 60 km/h. Prova disso é que a retomada de 40 a 80 km/h leva 6,1 s, enquanto um Fiat Argo 1.3 CVT (o automático mais barato do Brasil atualmente, por R$ 95.490, e um dos mais lentos) precisa de 5,5 s. De 60 a 100 km/h o Fiat precisa de 7,2 s e o BYD, de 9,4 s. O fôlego diminui conforme a velocidade aumenta, mas o desempenho em estrada ainda é melhor do que um compacto 1.0.
Em nossa pista, a aceleração de 0 a 100 km/h foi cumprida nos mesmos 14,9 s declarados pela fábrica. A velocidade máxima de 130 km/h se confirmou também. Não é comum as retas da nossa pista serem suficientes para chegar ao limite de velocidade dos carros.
A boa notícia é que a BYD escalou a bateria com a maior capacidade disponível na China, a Blade de 38,8 kWh, e descartou para o Brasil a opção de 30 kWh neste primeiro momento. De acordo com o Inmetro, a autonomia é de 280 km – contra 291 km do Dolphin e os 330 km do Dolphin Plus.
Em nossas medições de consumo-padrão, o compacto conseguiu 12 km/kWh em ciclo urbano e 9,2 km/kWh em regime rodoviário, o que leva a uma projeção de consumo urbano de 465 km na cidade e 356 km na estrada. No nosso uso, a autonomia apresentada pelo carro com bateria cheia sempre esteve ao redor dos 360 km, bom para o porte do modelo.
A potência de recarga máxima é de 6,6 kW em corrente alternada (AC), uma limitação de todos os elétricos da BYD vendidos no Brasil, e de 40 kW em corrente contínua (DC). Vai de 30 a 80% em 30 minutos e, teoricamente, consegue recarregar completamente em cerca de 1h. Nada mal.
Calma, Carlos!
O desempenho é a questão menos preocupante no BYD Dolphin Mini. Em nosso primeiro contato, na China, em meados de janeiro, o modelo havia se mostrado até divertido na pista perfeitamente plana com uma rápida prova de slalom. A frente firme ajudava a manter a compostura nas frenagens e a traseira mais solta ajudava a apontar melhor a frente nos desvios rápidos. Mas a boa impressão foi desfeita no Brasil. O conjunto dianteiro lida muito bem com o asfalto ruim e não bate seco. É até melhor do que nos Dolphin maiores. Mas o acerto da suspensão traseira do Mini é completamente inadequado à nossa realidade.
Indo direto ao ponto, parece que não há amortecedores traseiros e o eixo de torção retorna apenas pelo efeito das molas. Pode ser em um buraco, uma emenda ou aquela ondulação do asfalto que mal se vê, a traseira vai afundar muito, retornar com um rebote (que pode dar a sensação de que as rodas perderam contato com o asfalto) e repetir o movimento por conta própria. A única diferença para um carro com amortecedores ruins é que as rodas não ficam quicando.
Falta carga nos amortecedores para evitar que a carroceria fique balançando para a frente e para trás. É como estar em um pequeno barco parado no mar, acompanhando as ondas. Tanto que eu e nosso piloto de testes, Leonardo Barboza, ficamos mareados até mesmo ao volante. Mas eu sofri ainda mais sentado atrás.
Entretanto, foi possível notar evoluções na comparação com o nosso Dolphin. A direção ganha mais peso conforme a velocidade aumenta, melhorando a sensação de estabilidade, e o ajuste de profundidade do volante garante a posição de dirigir ideal, com braços menos esticados. A resposta do pedal de freio é mais imediata, ainda que precise de maiores distâncias para parar que carros a combustão, mas está na média dos pequenos elétricos. Além do mais, o carro foi testado com 300 km, bem antes do amaciamento de 2.000 km que a própria BYD recomenda.
Outro fato que chamou a atenção é que o Dolphin Mini não emite ruído branco em baixa velocidade, pois a opção de ligar, na central multimídia, não funciona. É verdade que isso irrita no Dolphin por ser muito audível, mas há meios melhores de contornar isso do que inibir o alerta aos pedestres.
Nem tudo está perdido, Carlos Tavares. As questões que envolvem a usabilidade e o acerto da suspensão traseira do Dolphin Mini até poderão ser resolvidas logo, com uma atualização ou troca de peças, mas revelam que ainda falta um pouco de maturidade. A BYD é uma empresa de tecnologia que fabrica carros e já domina a tecnologia de motores elétricos, controladores e baterias. Só não tem décadas de experiência fabricando carros, o que é de grande valia na hora de fazer o acerto dinâmico e aquele ajuste fino. Esta não é uma guerra perdida, pelo menos para quem ainda gosta de dirigir – e nem estou falando de ronco ou vibração de motor.
Mas é inegável: o BYD Dolphin Mini pode bagunçar o mercado brasileiro, mesmo que seu preço tenha ficado bem acima dos R$ 100.000. É simpático, bem equipado e, no mínimo, é uma excelente opção de segundo carro na garagem.
Veredicto Quatro Rodas – Conseguiram fazer um elétrico convidativo a preço de carro a combustão. É um bom carro, mas não é perfeito.
Ficha Técnica – BYD Dolphin Mini
Motor: elétrico, diant., transv., 75 cv, 13,8 kgfm
Câmbio: automático, 1 marcha, tração dianteira
Direção: elétrica, 9,9 m (diâmetro de giro)
Suspensão: McPherson (diant.), eixo de torção (tras.)
Freios: disco ventilado (diant.) e disco sólido (tras.) com recuperação de energia
Pneus: 175/55 R16
Dimensões: compr., 378 cm; larg., 171 cm; altura, 154 cm; entre-eixos, 250 cm; peso, 1.160 kg; porta-malas, 230 l
Bateria: fosfato de ferro-lítio, Blade 38,8 kWh, autonomia de 280 km (Inmetro)
Carregamento: tipo 2 (AC) a 6,6 kW; CCS2 (DC) a 40 kW
Teste Quatro Rodas
Aceleração | |
0 a 100 km/h | 14,9 s |
0 a 1.000 m | 36,9 s – 130,7 km/h |
Velocidade máxima | 130,7 km/h |
Retomadas | |
D 40 a 80 km/h | 6,1 s |
D 60 a 100 km/h | 9,4 s |
D 80 a 120 km/h | 14,4 s |
Frenagens | |
60/80/120 km/h a 0 | 15,8/28,1/64,6 m |
Consumo | |
Urbano | 12 km/kWh |
Rodoviário | 9,2 km/kWh |
Ruído interno | |
Neutro/RPM máx. | n/d / – dBA |
80/120 km/h | 60,6/74 dBA |
Aferição | |
Velocidade real a 100 km/h | 97 km/h |
Rotação do motor a 100 km/H | n/d |
Volante | 2,7 voltas |
Seu Bolso | |
Preço básico | R$99.800 |
Garantia | 5 anos |