Enquanto o governo federal não define as regras (no que diz respeito a temas como política fiscal e infraestrutura), o jogo do carro elétrico já começou para a sociedade brasileira. Há inúmeras iniciativas nesse sentido, em centros de pesquisa, universidades e empresas. E neste mês a BMW está lançando o primeiro veículo elétrico de nosso mercado, em escala comercial. O i3 já está à venda nas concessionárias de Belo Horizonte (MG), Brasília (DF), Curitiba (PR), Joinville (SC), Recife (PE), Rio de Janeiro (RJ), Salvador (BA) e São Paulo (SP).
Por ora, o i3 não será visto a todo momento nas ruas porque seu preço é alto. Além de trazer novas
tecnologias, ele incorpora o prestígio de sua marca premium. O BMW i3 chega em duas versões, básica (que é mostrada aqui) e completa, com preços dignos de sedã de luxo: R$ 225 950 e R$ 235 950, respectivamente. Com esse valor, é possível comprar um modelo maior e mais potente, como um BMW 328i, por exemplo, que custa R$ 203 950, e ainda sobra dinheiro. Nesse caso, o comprador não precisa nem abrir mão do status da marca.
O i3 é bem-equipado. Desde a versão básica, traz faróis de leds, GPS, teto solar, ESP, som Harman Kardon, rodas de alumínio (aro 19) e sensor de chuva, entre outros itens de série. A completa inclui couro, acabamento de madeira (eucalipto), câmera traseira e assistente de estacionamento (que acha a vaga e controla volante, acelerador e freio de forma autônoma).
Mais do que o lançamento de um carro, a BMW traz para o Brasil sua nova divisão de veículos,
identificada pela letra “i” (de inovação). A marca é a responsável pelos carros elétricos e híbridos, assim como a M, de Motorsport, cuida dos modelos com preparação esportiva. Com o i3 vem toda a estrutura de vendas e pós-vendas que um carro elétrico exige, incluindo o suporte para a instalação dos pontos de recarga e a assistência técnica do veículo. Na apresentação do i3, a fábrica mostrou
também o cupê híbrido i8, oferecido sob encomenda, ao custo de R$ 799 950.
Na Europa, existem dois tipos de i3: o que poderíamos chamar de elétrico puro e o elétrico com autonomia estendida. O i3 puro tem um motor elétrico, alimentado por baterias carregadas pela rede elétrica ou pelo sistema de recuperação de energia durante as frenagens do carro. O de autonomia estendida possui um motor a combustão que auxilia na recarga das baterias. Seu funcionamento é parecido com o do Chevrolet Volt ou o do Mitsubishi Outlander PHEV, com a diferença de que o motor a combustão do BMW i3 não participa da tração, em nenhum momento, de acordo com a fábrica. No Volt e no PHEV existem situações em que o motor a combustão ajuda o elétrico a tracionar o carro, daí ambos serem classificados como híbridos com autonomia estendida.
A versão do BMW i3 trazida para o Brasil é a de dois motores. O elétrico é um motor comum de corrente alternada AC (que é a fornecida pelas empresas de eletricidade), com potência de 170 cv e 25,5 mkgf de torque. E o de combustão interna é um dois-cilindros, com 647 cm³, capaz de gerar uma potência de 39 cv e 5,6 mkgf de torque.
A sensação de dirigir um elétrico é diferente da experimentada ao volante de um carro convencional.
O momento mais estranho é na partida. Como o motor quase não produz ruídos e vibrações, o motorista só sabe que pode arrancar se tiver algum sinal autorizando. No caso do i3, é a palavra Ready (pronto), no visor à frente do volante.
Pesos e medidas
O peso das baterias sempre foi um problema para os carros elétricos. No caso do i3, que tem 1 315 kg, as baterias somam 330 kg. Para compensar esse lastro, a BMW projetou o i3 em duas partes. Fez a carroceria de fibra de carbono, que é 80% mais leve que o aço (e duas vezes mais resistente; por isso, o i3 não precisou de coluna central entre as portas). E o chassi é de alumínio, 30% mais leve que o aço. Depois, instalou as baterias no chassi, sob o piso do carro, o que ajudou a baixar o centro de gravidade (favorece o equilíbrio e a dirigibilidade do veículo) e a garantir um lugar protegido para o conjunto de alta tensão (360 volts). O motor elétrico pesa 49 kg e o a gasolina, 150 kg. Como é tradição na marca, o peso do carro ficou dividido em proporções iguais entre os eixos.
Blecaute mental
Na minha vez, na apresentação do i3, me senti como aqueles calouros dos programas de auditório que travam (e precisam ser empurrados) na hora de entrar no palco, mesmo não sendo esse o primeiro elétrico que dirigi na vida. Eu já estava acomodado ao volante, cinto atado, retrovisores regulados e fui acometido de um tipo de blecaute mental. Vi a palavra Ready no painel, mas me esqueci de colocar o botão do câmbio (que fica junto ao volante) em D (drive). “E agora?”, pensei. Felizmente, reagi a tempo. Não precisei ser empurrado e a plateia não percebeu meu estranhamento. Acelerei e o carro saiu. Ao longo do test-drive, os ruídos e vibrações do motor a explosão não me fizeram falta, porque os outros estímulos produzidos no deslocamento não deixaram de existir. Continuei notando os pneus interagindo com o piso, vendo a paisagem passar e sentindo o impulso gerado pelo torque do motor, que não é pouco no i3 e está disponível em todas as rotações, uma característica dos motores elétricos. A direção é leve mas direta (são duas voltas e meia entre batentes). E a suspensão garante a estabilidade. O i3 tem comportamento neutro e inclina pouco nas curvas. Os pneus são finos (155/70 R19), para diminuir a resistência à rolagem.
Outro aspecto interessante de observar é que o motorista não precisa pisar sempre no freio para diminuir a velocidade, porque, assim que alivia o pé do acelerador, o sistema de recuperação de energia entra em ação, freando o carro progressivamente. Aqueles motoristas que ficam atentos, antecipando os movimentos do trânsito, vão conseguir dirigir usando bem pouco o freio.
De 0 a 100 km/h em 7,9 segundos
Por fora, o i3 tem o porte de um hatch da Série 1, mas por dentro ele acomoda quatro lugares com mais conforto. Os ocupantes do banco traseiro viajam com os joelhos mais altos que os quadris, mas o acesso é facilitado pelas portas-suicidas e pelo encosto fino dos bancos, que ocupam menos espaço.
Não fizemos medições em pista. Mas, segundo a fábrica, o i3 faz de 0 a 100 km/h em 7,9 segundos,
que é um tempo muito próximo ao que conseguimos com o BMW 320i Active Flex, equipado com motor de 184 cv e 27,5 mkgf. Nas retomadas de velocidade, de 80 a 120 km/h em D, surpresa: o i3 leva 4,9 segundos, o mesmo tempo obtido pelo 320i em nossa pista. O consumo de energia é em torno de 0,13 kWh/km, segundo a BMW. O que resulta em uma autonomia entre 130 e 160 km, considerando que a capacidade líquida das baterias é de 18,8 kWh. Mas o i3 conta ainda com os recursos Eco Pro e Eco Pro+, que ajudam a economizar energia. O primeiro pode aumentar a autonomia em cerca de 20 km. Ele muda o mapa de aceleração do motor, deixando o carro com respostas mais lentas, e diminui a eficiência do ar-condicionado. Com o segundo, o ganho chega a 40 km. Este reduz ainda mais a velocidade do carro, desliga o ar-condicionado e as luzes de posição. O motor a gasolina é capaz de ampliar a autonomia em 100 km, totalizando 300 km se usar o Eco Pro+. Ele aciona o gerador automaticamente quando a bateria atinge 20% da carga.
Para recarregar as baterias na tomada, o i3 vem acompanhado de um cabo com plugue de três pinos (AC), segundo as normas brasileiras, e também com plugue para corrente contínua (DC), para cargas rápidas (normalmente disponível em estações públicas). Para o carregamento na tomada comum, o tempo de alimentação é de 16 horas na corrente de 110 volts e de 8 horas na de 220 volts. Mas essa operação pode ser encurtada para 3 horas, se o dono do carro tiver a estação Wallbox, que a BMW vende à parte por R$ 7 450.
O preço do i3 é relativamente alto, mas, segundo a fábrica, o custo de operação é 30% menor que o de um veículo similar convencional. E, apesar de o carro elétrico não ter legislação específica, em nível nacional, entre os estados há governos que isentaram esses veículos do pagamento do IPVA (Ceará, Maranhão, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e Sergipe) e outros que cobram alíquotas menores (Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro e São Paulo). Na cidade de São Paulo, os elétricos não precisam seguir o rodízio.
Ao final, cheguei à conclusão de que o i3 compartilha da atratividade própria dos smartphones e dos tablets. Ele é inteligente, fácil de usar e bonito de mostrar para os outros. O i3, aliás, se relaciona bem com os dispositivos eletrônicos, uma vez que tem internet a bordo e permite que o motorista controle algumas de suas funções pelo celular.
VEREDICTO
Apesar do preço alto e da falta de infraestrutura pública, que impede os elétricos de alcançar um volume de vendas expressivo, o i3 pode influenciar positivamente o mercado a favor da eletrificação do transporte.