Salão de SP tem babá de luxo, carro extra, funilaria expressa e gambiarra
Preparação feita pelas fabricantes envolve dezenas de funcionários e até "roubo antecipado"
Um estande relativamente pequeno no Salão do Automóvel ultrapassa, facilmente, a cifra de R$ 4 milhões – marcas maiores podem gastar quase dez vezes mais. Por isso, tudo é pensando nos mínimos detalhes para que esse investimento não vá por água abaixo.
QUATRO RODAS reuniu a seguir algumas curiosidades que envolvem o principal evento automotivo do Brasil.
Babá de carro
Os carros conceitos e modelos que ainda não foram lançados no país costumam ser o centro das atenções da maioria das fabricantes.
Mas trazê-los ao país exige cuidados que incluem até uma “babá”. Isso porque modelos únicos, como o Mercedes-AMG One, contam com um funcionário cuja única atribuição é o cuidar de máquinas cujo valor pode ultrapassar os R$ 10 milhões.
E essa cifra não necessariamente tem a ver com a proposta do veículo. Mesmo que seja um conceito de veículo popular, um protótipo custa uma pequena fortuna porque eles normalmente são feitos à mão, o que faz o custo de produção disparar.
Por conta disso, as empresas limitam ao máximo o acesso ao carro, que normalmente é restrito à “babá”. Essa pessoa é responsável por manobrar o veículo (quando ele conta com propulsão própria) e monitora constantemente seu filhote.
Isso inclui até quem entra ou sai do carro. Em estudos futuristas, onde o interior é feito com diferentes materiais (não necessariamente resistentes), normalmente só celebridades, altos executivos e políticos podem entrar na cabine.
Funilaria expressa
Quem disse que carro parado não amassa? Em um evento onde milhares de pessoas vão encostas, passar a mão e se esfregar (com roupas incrementadas com botões, rebites e outros elementos pontiagudos) é quase inevitável que ocorram pequenos danos, sobretudo riscos, nos veículos expostos.
Por conta disso, todas as marcas contam com especialistas em reparos rápidos. Esses profissionais usam ceras, máquinas de polir e até ferramentas de “martelinho de ouro” para apagar o estrago que aquele cinto ou bolsa fez no para-lama de um carro, por exemplo.
Esses consertos normalmente são feitos de madrugada, longe dos olhos do público. Mas um dos cuidados com os carros expostos acontece na frente de todos. São os responsáveis por manter o veículo sempre limpo e sem marca de dedos.
Pode observar: tão logo alguém feche uma porta (e deixe marcas na esquadria, normalmente pintada em preto brilhante), logo alguém virá aparecer com um pano e produto de limpeza.
Não é elétrico, mas precisa de tomada
Já reparou que quase todo carro exposto está com os faróis ou lanternas acesas? Isso é possível porque as fabricantes ligam um inversor de corrente feito especialmente para alimentar os acessórios do veículo.
Uma gambiarra adaptação é feita para que o carro use a energia de uma tomada (geralmente escondida embaixo do veículo), ao invés da bateria 12V.
A fabricante também modifica parte do sistema elétrico para que alguns itens, como rádio, vidros e ventilação, continuem funcionando e possam ser testados pelos visitantes.
Esses ajustes, porém, fazem com que muitos carros entendam que há alguma pane no veículo, e exibam diferentes alertas no painel.
E ainda há um problema: para ligar o carro, é necessário desfazer todas as mudanças. Caso contrário, existe o risco do motor de arranque puxar energia do inversor (que não foi feito pra isso) e queimar o equipamento.
Faça-se (mais) luz
Praticamente todo carro conta com uma luz interna. Mas essa lâmpada, geralmente pequena e de baixa intensidade, não é o suficiente para clarear a cabine de forma adequada.
Para resolver a questão, as fábricas literalmente colocam mais luz dentro de seus carros. Isso inclui adicionar uma série de lâmpadas, geralmente em leds, no forro do carro.
Os fios elétricos ficam escondidos sob o acabamento, e as luzes são posicionadas para ficarem na posição mais discreta possível.
E isso não fica restrito ao habitáculo. Dependendo do que a fabricante quer destacar, é possível adicionar luzes no porta-malas ou até no cofre do motor.
Carro novo – quando dá
Os veículos que serão expostos no Salão são escolhidos a dedo. As unidades quase sempre são zero-quilômetro e são inspecionadas em busca de qualquer dano ou peça desalinhada.
Mas nem sempre é possível levar um carro novo ao evento, sobretudo veículos de pré-produção e/ou que acabaram de serem apresentados.
Este é o caso do Audi e-tron exposto na área vip da marca. O SUV elétrico faz parte da frota inicial do carro e ainda carregava as placas da Alemanha.
Outro exemplo é o Ford Territory. O SUV chinês que brilhou no estande da marca é um dos únicos de sua espécie: além da unidade que está no Salão, há somente outra, na China.
Visita rápida
Boa parte das estrelas do Salão não vai ficar nem pra ver o natal em Copacabana. Esses veículos são importados em regime temporário, que os isenta de pagar imposto.
Mas, para isso, eles devem voltar ao país de origem dentro de um prazo de até, no máximo, seis meses. Mas geralmente esses carros voltam antes, até pela agenda curta.
Os novos BMW Série 3, Z4 e Série 8, por exemplo, vieram direto do Salão de Paris para São Paulo. E isso só foi possível por conta do transporte via avião, um método eficaz, mas caríssimo — funcionários que pediram para não serem identificados estimam em US$ 10 mil o custo do frete.
Roubo antecipado
Há algo que toda fabricante faz, mas não é motivo de orgulho para ninguém — tanto que ninguém topa falar sobre o tema de forma oficial.
“Na prática, tiramos do carro tudo o que pode ser removido pelo público”, conta um funcionário de concessionária responsável por preparar os carros pro Salão.
Entram nessa lista acendedores de cigarro, tampas de conectores, extintores (quando presentes) e até estepes.
Marcas incluem relatos de roubos de botões de vidro elétrico, tapetes e mesmo logotipos, sobretudo o de modelos de luxo.
Uma alternativa para não precisar depenar o próprio carro prejudica os visitantes do Salão: manter os carros trancados, à prova de “espertinhos”.
Iguais e escondidos
Se tudo der errado e o carro tiver sofrido um dano irreparável pode existir uma solução.
Algumas marcas, especialmente as generalistas, contam com uma frota de veículos reserva.
Eles são virtualmente idênticos aos modelos expostos e ficam armazenados em locais próximos ao evento para serem convocados em qualquer eventualidade.
Naturalmente isso só vale para carros de produção e de baixo valor. Não espere haver outra Ferrari 488 Pista escondida em algum galpão na zona sul de São Paulo.
As coisas — e os carros — mudam
Há uma característica só perceptível a quem tem acesso ao Salão nos dias destinados à imprensa. Como as fabricantes precisam abrir espaço para apresentar seus lançamentos, geralmente somente as novidades são expostas na ocasião.
Além disso algumas marcas constroem palcos temporários para mostrarem suas estrelas aos jornalistas. Após isso, parte da estrutura é desmontada para abrir espaço para novos carros, geralmente aqueles que não são novidade.
O caso mais extremo disso é a Mercedes-Benz. A marca praticamente reconstrói seu estande entre sua coletiva de imprensa e a data de abertura ao público.
Sem motor
E não é raro que alguns carros do Salão não tenham itens triviais, como partes do acabamento, acessórios e até trem de força.
Isso ocorre normalmente nos veículos conceituais, que podem ser apenas estudos de design. É o caso, por exemplo, do Fiat Fastback, que é um mock-up.
Esse termo é dado para carrocerias “sem recheio”, ou seja, sem motor, câmbio ou até mesmo cabine. Isso permite reduzir parte dos custos elevadíssimos de produção de um protótipo.
A presença de um motor sob o capô também não é sinônimo de que ele funcione ou mesmo que seja o conjunto previsto para aquele modelo.
O icônico Gol GT Concept de 2016, por exemplo, era uma versão esportiva cotada para usar o 1.6 16V de 120 cv da Volkswagen. O conceito, porém, tinha números bem mais tímidos: a unidade em questão era equipada com um modesto 1.0 12V de 82 cv.