Os bastidores (e perrengues) do comparativo entre Gol GTI e Corsa GSI
Teste comparativo entre esportivos nacionais sofreu atrasos e correu risco de não sair, com a capa da edição já pronta, na gráfica

A capa de novembro de 1994 foi um comparativo de encher os olhos dos admiradores dos esportivos nacionais: Chevrolet Corsa GSi e VW Gol GTI. Lançados naquele mês, cada um desses modelos trazia sua receita própria de esportividade, mas a principal diferença entre eles era a motorização. Enquanto o Volkswagen tinha motor 2.0, de quatro cilindros, com oito válvulas, duas por cilindro, o Chevrolet era equipado com motor 1.6, de quatro cilindros, com 16 válvulas, quatro por cilindro. Um apostava no deslocamento volumétrico; o outro, no cabeçote multiválvulas.
Na pista de testes, foi um pega interessante. O Gol superava o rival em potência e torque. Eram 109 cv a 5.250 rpm e 17 kgfm a 3.000 rpm, contra 108 cv a 6.200 rpm e 14,8 kgfm a 4.000 rpm. Mas o Corsa pesava menos: 945 kg, ante 1.010 kg. A relação peso/potência do Chevrolet era de 8,7 kg/cv diante de 9,2 kg/cv, do Volkswagen.
No final das contas, o Corsa foi mais rápido na aceleração de 0 a 100 km/h, com o tempo de 7,2 segundos, contra 7,5 segundos do Gol. E chegou a 195,5 km/h de velocidade máxima, contra 185,1 km/h. O Gol, em razão do torque maior, deu o troco nas retomadas de velocidade.

Coube a mim fazer esse comparativo. Sim, eu já andava por aqui, e foi muito bom ver essa efeméride na seção Marcha a Ré, na edição de novembro. Recordar é viver.
Dizem que o tempo cura dores e isso é a mais pura verdade. Explico. Esse comparativo sofreu diversos reveses e quase não conseguimos publicá-lo naquele mês. Acontece que a GM emprestou o carro para o teste na data combinada. Tudo certo. Mas a VW, não. A assessoria de imprensa da empresa avisou que a chegada do Gol, uma unidade pré-série, atrasaria, mas, para ajudar na produção da revista, a fábrica forneceria uma unidade do carro para as fotos antes e outra para testes depois – mas a tempo da realização da pauta.
A primeira parte do plano funcionou: uma unidade do Gol veio e foi fotografado pelo saudoso Pedro Rubens, fotógrafo do Estúdio Abril, junto com o Corsa, sem a necessidade de pedirmos uma extensão do empréstimo para a GM. Mas os dias foram passando, o Corsa foi testado, devolvido e nada da unidade do Gol para teste chegar.
Foi preciso negociar um prazo maior com a gráfica para entregar a revista para impressão, porque chegou a data de fechamento da edição, a revista pronta, incluindo a capa, e o principal teste ainda não existia.
Entregamos todo o material para a gráfica na data originalmente prevista, que era uma sexta-feira, prometendo enviar as páginas do comparativo na segunda-feira seguinte – a VW assegurou que não passaria do sábado. Meu plano: testar o carro no sábado e escrever o comparativo no domingo. Fortes emoções.
Naquele tempo, fazíamos os testes de aceleração, retomada, consumo em Limeira (SP), como até hoje, e velocidade máxima no Centro Técnico da Aeronáutica (CTA), em São José dos Campos (SP). A VW disse que o carro iria para essas pistas em um caminhão da fábrica, acompanhado por um grupo da engenharia. Concordamos, mas com a condição de que os engenheiros não interferissem em nosso trabalho e não pedissem para ver os resultados antes da publicação.

Sábado de manhã devo ter chegado pelo menos uma hora antes do combinado na pista do CTA (sempre faço isso). Aguardei ansioso o caminhão da VW chegar. Ele foi pontual. Gol na pista, enquanto eu instalava o equipamento de testes, começou a chover. Ou seja: sem condições para medições.
Há males que vêm para o bem, porém. Porque o equipamento, o famoso Correvit, resolveu não funcionar naquela manhã chuvosa. Liguei o sistema e nada. Como eu não podia entrar na pista sob aquela chuva, tive tempo para trocar os cabos de alimentação do sistema e do sensor (a chamada quinta roda óptica) e o equipamento funcionou. Não, eu não havia instalado errado. Porque chequei tudo antes de optar pela troca dos cabos. A chuva durou o tempo suficiente para que eu resolvesse o problema. E, embora a pista continuasse molhada, seu escoamento era eficiente e não atrapalharia a medição da máxima.
No caminho para Limeira, parei para almoçar. Quando cheguei à pista, o Gol já estava lá, e não houve mais contratempos. Fiz todas as medições, fui para casa e no dia seguinte para a redação. Segunda-feira, a gráfica recebeu o material.
Hoje, dou risada do perrengue que passei. E lembro desses carros com saudade, cada qual com suas características de comportamento. O Gol agradou pela posição de dirigir e a estabilidade nas curvas. O Corsa tinha a suspensão mais macia e a direção mais leve, mas também permitia uma tocada esportiva, talvez mais refinada. O texto não aponta um vencedor. Deixa para o leitor decidir. Relendo o comparativo hoje, penso que foi a melhor solução mesmo. Porque, passados 30 anos, eu ainda não saberia dizer qual dos dois merecia ganhar.
