Opinião: prudência, dinheiro e canja de galinha não faz mal a ninguém
Antes de sair por aí acelerando, melhor aprender a dominar o carro e conhecer suas reações. Principalmente se for um superesportivo

Outro dia, vi um post. Não me lembro onde. A foto mostrava uma situação de risco. O texto dizia o seguinte: “Diante do perigo, mantenha a calma, confie no treinamento que recebeu e tenha um plano B”. Eureca! Sintetizou o que sempre pensei, mas nunca havia verbalizado de forma tão simples e objetiva.
Em minhas andanças profissionais, testando carros em pistas, ou mesmo amadoras, dirigindo por aí, já passei por algumas situações em que precisei seguir esse roteiro para evitar o pior. Nas vezes em que não evitei, estava na pista de testes, um lugar para as coisas darem errado mesmo, com áreas de escape e carros rodando todos no mesmo sentido, para diminuir a possibilidade de acidentes.
É muito importante manter a calma. Percebido o perigo, o motorista tem alguns instantes, que eu costumo chamar de segundo de lucidez, mas talvez o tempo seja menos de um segundo, o que faz a diferença entre reagir adequadamente ou se desesperar ou ficar sem ação.
Obviamente que, para se manter calmo e conseguir reagir, a segunda parte do post é verdadeira, é fundamental que o motorista tenha recebido treinamento. Sem conhecer o carro, sem saber como o veículo interage com a pista, dificilmente alguém consegue evitar acidentes. Por intuição, talvez. Ou instinto de sobrevivência.
O risco é proporcional à exposição. No trânsito das cidades, existe um tipo de risco. Nas estradas, outro. E em uma pista, outro. Para motoristas amadores, o treinamento das autoescolas deveria ser suficiente, deveria. Mas o problema maior é quando um leigo pega um carro feito para andar em pista e tenta dirigir como se fosse um piloto. Já testemunhei esse tipo de coisa na vida. E as redes sociais estão cheias de vídeos em que há amadores destruindo superesportivos, batendo sozinhos, em outros carros, e causando tragédias, quando se jogam contra pessoas. Esses eu prefiro nem ver.
Entre motociclistas existe uma máxima que diz que “não é a cilindrada do motor que deve ser grande, e sim a cabeça”, leia–se consciência do piloto
Fabricantes como Ferrari, Por-sche, Mercedes e BMW oferecem cursos de treinamento, em diferentes níveis, para seus clientes, incluindo aulas até mesmo para aqueles que querem competir de verdade. Mas não são todos que se dispõem a aproveitar essa oportunidade.
Entre motociclistas, existe uma máxima que diz que “não é a cilindrada do motor da moto que deve ser grande, e sim a cabeça”, leia-se consciência de quem pilota. E uma outra, entre os que publicam os vídeos de acidentes, falando que “carro com tração traseira é como a gaita, só toca quem sabe”. O conhecimento do veículo e de sua dinâmica, bem como sobre o comportamento dos outros motoristas no trânsito, é importante até para situações corriqueiras, para evitar se colocar em eventos de risco. Isso se chama direção defensiva.
Do treinamento depende também a terceira etapa do post, que trata da gestão do risco: o plano B. Sabendo que a primeira reação pode não dar certo, ou pode ainda criar uma segunda situação de perigo, o motorista deve estar pronto para uma nova manobra. Hoje em dia, os carros têm vários dispositivos para evitar acidentes, segurança ativa, e diminuir as consequências no caso do pior. Mas as leis da física não foram revogadas, os carros continuam sendo corpos que se deslocam com uma grande quantidade de energia, tanto maior sua massa e sua velocidade.

Para os que se veem como pilotos natos, talentos desperdiçados, lamento dizer que, carros de corrida e pistas são muito diferentes de carros de passeio e ruas e estradas. Quem acha que toca bem um carro comum em ruas e estradas, cheia de outros carros e construções que servem de referência para a velocidade, com o mesmo desempenho em um autódromo, não seria autorizado sequer a alinhar no grid. Carros comuns, ou mesmo esportivos, com algumas modificações feitas para agradar motoristas, que ganham fama de foguetinhos nas ruas, quando entram em uma pista de corrida, como a de Interlagos, simplesmente desaparecem. O que parecia um leão vira um gatinho. E isso vale para os motoristas.
Quando dirigi o Bugatti 16.4 Veyron Grand Sport Vitesse, o piloto da fábrica que me acompanhou contou que alguns clientes da marca, quando saíam com ele para avaliar os carros, queriam acelerar exageradamente nas ruas, mas, quando chegavam na pista, onde poderiam chegar ao limite do carro, não conseguiam. Ou seja, se tornavam o que eles realmente eram: motoristas. Mesmo tendo um Bugatti nas mãos. Como diz Benjor, na música Engenho de Dentro: “Prudência e dinheiro no bolso, canja de galinha não faz mal a ninguém”.