Assistir as 24 Horas de Le Mans ao vivo é um programa obrigatório para qualquer fã de automobilismo. Se um dia você tiver essa sorte, não esqueça deste precioso conselho: não volte para casa sem visitar o Musée des 24 Heures du Mans – até porque esse espaço cultural fica junto ao circuito. E é tão interessante quanto a corrida em si. Ou até mais.
Aberto das 10h às 18h em dias normais, o local funciona até a meia-noite no mágico final de semana em que Le Mans vira o centro das atenções do esporte a motor. É verdade que os corredores ficam abarrotados de visitantes, mas conhecer o acervo ao som dos carros é uma experiência inesquecível.
A visita começa por um corredor pouco iluminado preenchido pelas personalidades que fizeram história em Le Mans. Sobram nomes de peso, como Tazio Nuvolari, Ettore Bugatti, Enzo Ferrari, Jacky Ickx e Tom Kristensen – este último o atual recordista de vitórias em Le Mans com nove títulos.
De lá o visitante cai em uma enorme sala preenchida por milhares de miniaturas de bólidos antigos e dioramas das principais edições. No meio do salão há uma gigantesca maquete do Circuit de la Sarthe, detalhando cada uma das 38 curvas da pista com 13,65 km de extensão.
A maior ala do museu guarda também as maiores preciosidades. Das décadas “românticas” de Le Mans estão jóias como o Bugatti Type 30 Torpédo de 1927. Equipado com um motor de oito cilindros com menos de 2-litros de deslocamento, o carro tinha 75 cv (um absurdo para a época).
A poucos metros dali está o Rolls-Royce Silver Ghost Type J141 Coupé-chauffeur Décapotable Muhlbacher. Seu nome ultralongo só não impressiona mais do que a potência: o motor 7.4 com seis cilindros em linha entregava 45 cv e atingia a velocidade máxima de 90 km/h. Parece pouco para os tempos atuais, mas eram números espantosos para 1919.
A ala de veículos pesados inclui um caminhão Citroën HY Le Bastard 1964 utilizado para fazer propaganda dos faróis Marchal (atualmente Valeo), e o Delahaye Type 85 Citerne 1924, adquirido pela Desmarais Oil para abastecer os veículos da prova durante 24 anos.
Partindo dos carros de apoio para os bólidos de competição, esta bela Ferrari 166 Mille Miglia Barchetta Touring reproduz o grande vencedor de Le Mans em 1949. Movida por um motor 2.0 V12 de 140 cv, ela levou Luigi Chinetti e Lord Selsdon ao topo do pódio após 3.178 km percorridos em 24 horas.
Outro símbolo da baixa relação peso/potência é o Panhard HBR4 Barquette. Mesmo com um pequeno motor de 744 cm3 dois-cilindros, conseguia atingir 190 km/h na Hunaudières, a reta mais longa de Le Mans.
Nas proximidades surge um dos grandes ícones de Le Mans: o Ford GT40 se consagrou por quebrar a série de seis vitórias consecutivas da Ferrari, reinando em Sarthe entre 1966 e 1969.
A Renault está bem representada com o Alpine A 442 B Turbo 1978. O carro venceu as 24 Horas de Le Mans de 1978, sendo que a unidade exposta terminou a corrida em quarto lugar.
Avançando algumas décadas no tempo, o visitante entra na ala dos carros dos anos 90, onde sobram mitos das pistas. Embora seja o único carro japonês a ter vencido em Le Mans até hoje, o mítico Mazda 787 B ficou famoso pelo som produzido pelo motor 4.7 Wankel de 700 cv.
Estridente e inebriante como poucos, o ronco faz qualquer Fórmula 1 moderno corar de vergonha.
Ao seu lado estava o Jaguar XJR 9 1988. Desenvolvido pela Tom Walkingshaw Racing (ou simplesmente TWR), o protótipo dominou a prova de 1988 graças à usina de potência desenvolvida pelo motor V12 de 7-litros com 700 cv.
A velocidade máxima do XJR era estimada em 390 km/h.
Se a Mazda até hoje é a única marca japonesa a ter triunfado em Le Mans, a “culpa” se deve em parte pelo azar da Toyota. Antes das recentes decepções em 2016 e 2017, a marca esteve muito próxima de eternizar seu nome na história de Sarthe com o 94CV. Movido por um motor V8 biturbo de 3576 cm3, o carro de 600 cv alcançava facilmente os 330 km/h.
A Toyota liderava com tranquilidade a corrida de 1994 quando um problema na transmissão tirou a vitória de suas mãos. Ironicamente, o primeiro lugar ficou justamente com a… Porsche.
O Peugeot 908 HDi entrou para a história de Le Mans por quebrar a hegemonia da Audi em 2009. A marca alemã vinha de uma sequência de cinco vitórias consecutivas quando foi derrotada pelos franceses.
A arma secreta era um protótipo de carroceria fechada com um motor V12 de 5,5 litros movido a diesel e sobrealimentado por dois turbocompressores.
Com 735 cv e 122,4 mkgf de torque máximo, o 908 número 9, pilotado por David Brabham, Marc Gené e Alexander Wurz, venceram com uma volta de vantagem sobre o outro Peugeot número 8.
A vitória, porém, custaria caro para a marca: além de não ter vencido mais nos anos seguintes, a Peugeot descontinuou seu programa de endurance em 2012. Já a Audi retomou a supremacia perdida momentaneamente e venceu todas as edições seguintes até 2014.
A dinastia da Audi começou em 2000, quando a marca de Ingolstadt desenvolveu o R8. Além de dar quatro vitórias em cinco anos, o bólido ainda deu origem ao superesportivo de mesmo nome, que incorporou diversas tecnologias das pistas e atualmente está em sua segunda geração.
Impulsionado por um motor V8 biturbo de 3,6 litros, o R8 ganhou as provas de 2000, 2001, 2002, 2004 e 2005. A sequência só foi quebrada pela Bentley, que, curiosamente, competiu (e venceu) a corrida de 2003 com motor… Audi.
Em 2006, a marca das quatro argolas foi a primeira fabricante a vencer uma edição de Le Mans com um carro movido a diesel. O R10 TDI tinha um motor V12 biturbo de 5,5 litros, despejando 650 cv e 112,1 mkgf no asfalto.
Com ele a empresa venceu três edições seguidas, sendo batido apenas pela Peugeot.
A partir daí, a marca alemã desenvolveu o R15 TDI Plus, resolvendo os problemas de durabilidade do R15 lançado em 2009 e conquistando os três primeiros lugares da prova de 2010 com relativa facilidade.
Em 2011, as mudanças nas regras fizeram a Audi projetar um motor menor (de 3,7 litros) com seis cilindros em “V”. Embora fosse menor e menos potente, o conjunto precisava mover um veículo mais leve.
A fórmula deu certo e o R18 iniciou uma nova fase de domínio em Le Mans, que duraria até 2014. Desde então, a coroa é da Porsche, que emplacou três vitórias – a última delas neste ano.
Por enquanto, o exemplar mais recente do acervo é o Nissan GT-R LM Nismo. Desenvolvido para marcar a entrada triunfal da Nissan na LMP1, o protótipo tinha uma estranha configuração de motor 3.0 V6 dianteiro e tração dianteira – diferente dos protótipos que competiam na categoria.
Além de apenas um dos três veículos terem conseguido terminar a prova de 2015, o solitário GT-R viu a bandeira quadriculada anos-luz de distância do Porsche 919 Hybrid.
Resultado: a Nissan abortou subitamente seu programa de endurance e nunca mais se aventurou na principal categoria de Le Mans.