Pneus especiais para carros que ainda não existem
Montadoras encomendam pneus sob medida para valorizar as linhas de seus carros-conceito. Mas dificilmente você verá um deles rodando por aí
Um look descolado não está completo se o sapato não ajudar. Não por menos, um Louboutin pode custar mais que o vestido. E não é raro a chuteira ser mais cara que a camisa. Carros também têm preferência por calçados refinados, principalmente quando precisam desfilar.
O salão do automóvel é uma espécie de festa de gala para a indústria automotiva. Uma oportunidade para as empresas exibirem os carros que têm, e também para apresentar o que pretendem lançar nos anos seguintes. Às vezes esses protótipos nem têm motor, mas saem nas fotos com pneus de dar inveja à Cinderela.
Mas, assim como a moça do conto, esses protótipos acabam perdendo seu calçado especial quando chegam ao mercado. Os chamativos pneus dos salões, verdadeiras obras de arte redondas, são feitos sob encomenda. E seu design segue a linguagem de estilo do lançamento, reforçando as características que os fabricantes querem valorizar – proposta off-road ou urbana, por exemplo.
Na fábrica da Continental, em Hannover, há um departamento dedicado a modelagem manual dessas peças exclusivas. Pneus “em branco”, lisos como os de corrida, chegam a uma sala fechada, de acesso restrito, e longe do trânsito diário dos demais funcionários.
Lá, um pequeno time de artesãos esculpe a mão os desenhos que recebem de designers e engenheiros alocados em outros departamentos. Uma folha translúcida com o desenho da banda de rodagem é impressa e transferida para a borracha do pneu bruto.
Equipados com uma ferramenta elétrica dotada de uma ponteira cortante (e aquecida), os artesãos fazem delicados cortes, utilizando os traços previamente desenhados na superfície do pneumático.
O trabalho é artesanal. Aos poucos, pedaços de borracha são removidos para formar os contornos e sulcos do pneu. Esse serviço leva pelo menos quatro horas, mas até um dia inteiro pode ser gasto para concluir apenas um pneu, dependendo da complexidade dos traços.
Na hora de talhar, uma resistência na pistola elétrica aquece o metal na ponteira para facilitar o corte. Como um estilete, o equipamento corta a borracha e o técnico consegue controlar a espessura e até a profundidade do sulco. Trata-se de um serviço artesanal que requer, além de conhecimento, talento artístico. Na mão, o material não oferece muita resistência – o esforço necessário é semelhante ao de cortar uma peça de mozarela.
Atualmente já há robôs capazes de realizar a mesma tarefa, mas não necessariamente são mais rápidos ou melhores. Dependendo da quantidade de pneus solicitadas pelos clientes, as máquinas não são utilizadas, pois requerem um complexo trabalho de programação. Também não são mais rápidos que mãos treinadas, pois a velocidade maior dependeria de temperaturas mais altas na pistola de corte – e isso poderia danificar a borracha. Então as máquinas ficam restritas a lotes pequenos, geralmente utilizados na homologação de produtos novos. Ou para atender a equipes de competição (rally, por exemplo).
A Continental também recebe pedidos para criar apenas um jogo de pneus, já que os carros que os usarão nem sequer precisam rodar – só posar para fotos. Nesse caso, preocupação com dificuldade de produção, capacidade de escoamento de água, nível de aderência ou ruído ficam de fora. O único compromisso é a beleza.
O Renault Trezor, revelado em setembro, durante o Salão de Paris, foi um dos clientes da sapataria chique localizada dentro da fábrica da Conti, em Hannover (Alemanha). Esse cupê elétrico francês não tem portas: o interior é delimitado por uma tampa que integra o capô, para-brisa e teto. Quando se abre, deixa cabine, assentos, painel, bagageiro e pneus à mostra.
Para valorizar a tonalidade vermelha dos vidros e estofamento, os pneus encomendados à Continental têm uma faixa da mesma cor na banda de rodagem e nos sulcos hexagonais.
Esse tipo de projeto não tolera erros. Por ser um trabalho que exige precisão milimétrica, qualquer desvio no uso da ferramenta compromete o trabalho todo – sem possibilidade de conserto. É preciso começar do zero.