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O dia que Castor de Andrade pagou o conserto do meu Fusca

Contraventor poderoso no Rio de Janeiro gostava de carros, a ponto de ter sido preso no Salão do Automóvel

Por Henrique Rodriguez Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
14 fev 2021, 08h00
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  • VW Fusca 1300 Standard 1973
    (Henrique Rodriguez/Quatro Rodas)

    Poderoso, temido, odiado e adorado no Rio de Janeiro, o contraventor Castor de Andrade era um personagem em muito parecido com Pablo Escobar. Criou sua máfia, mexeu com futebol e tinha forte influência política. Mas sua guerra não era no tráfico de drogas, mas por pontos de jogo do bicho.

    Castor de Andrade
    Castor de Andrade em 1985 (Ricardo Beliel/Abril)

    Castor de Andrade se dizia empresário. Chegou a ser dono de uma metalúrgica, de uma indústria de pesca em Porto Seguro, de uma rede de postos de combustível e de uma agência de automóveis. 

    Conta-se que ele andava pelo Rio de Janeiro “na estica”, em ternos de corte italiano e com sapatos de cromo alemão, sempre em carros de luxo e cercado por guarda-costas. Um de seus asseclas acabou com a traseira do meu Fusca.

    Meu avô Ilídio só teve dois carros. Passou alguns anos com um Ford Corcel I 1970 amarelo, que dizia ser problemático, que deu lugar a um Fusca 1300 1973 Standard no fim dos anos 1970, seu último carro.

    Eu cresci vendo aquele Fusca azul na garagem dele. Entrava escondido no carro para fingir dirigir e olhar o pomo da alavanca de câmbio da Porsche. Mas a verdade é que o carro passou a ser usado cada vez menos e estava apodrecendo.

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    Era uma manhã de domingo. Meus pais estavam viajando e fui tomar café na casa dos meus avós. Foi sentado à mesa que meu avô disse estar decidido a não renovar mais sua carteira e que venderia o carro que mantinha há décadas.

    VW Fusca 1300 Standard 1973
    Estado do Fusca no dia que ganhei ele, em 2013 (Henrique Rodriguez/Quatro Rodas)

    Minha avó ficou mais espantada que eu. Insisti para que ele não vendesse o carro e ele acabou me dando o Fusquinha. Na mesma hora me entregou todos os documentos do carro e assinou a transferência: “Agora tem que pôr ele em ordem para colocar no seu nome.”

    Não é o melhor Fusca do mundo. Meu pai, quando soube, perguntou se meu avô realmente gostava de mim. Sim, e confiava. Me ensinou a mexer no carro, com direito a todos os macetes de quem conseguia trocar a correia do dínamo (sim, dínamo) em qualquer lugar.

    Naquele fogo para deixar o carro em ordem, resolvi tentar alinhar a tampa do motor do Fusca ali na casa dele, onde por muito tempo deixei o carro. Foi quando o vô me disse que a tampa não é a original do carro.

    VW Fusca 1300 Standard 1973
    Emenda mal feita do berço do motor permitia ver o reparo no local (Henrique Rodriguez/Quatro Rodas)
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    Certa noite de sexta-feira, no final dos anos 70, a família havia ido a um restaurante. Teria show da dupla Tom e Dito em um restaurante chamado Gruta do Barão, na Zona Norte do Rio de Janeiro. 

    E não é que um funcionário do Castor de Andrade pegou em cheio a traseira do Fusca, que estava parado em um sinal de trânsito? E foi o próprio bicheiro quem pagou o conserto.

    O que Seu Ilídio contava é que quando Andrade foi ver os carros acidentados na oficina, bradou: “Dessa vez eu pego esse cara! Não foi a primeira vez que ele aprontou!”

    Conta-se que era um carro grande na cor preta. O funcionário teria levado o carro de Castor de Andrade para receber um trato, pois seria usado em um casamento no dia seguinte. E acabou encontrando meu Fusca no caminho.

    VW Fusca 1300 Standard 1973
    O carro após o serviço de repintura (Henrique Rodriguez/Quatro Rodas)

    Ficou bem claro que aquela traseira não era original quando o Fusca foi desmontado para ser pintado. O berço do motor chegou a ser trocado, os para-lamas traseiros foram recuperados, mas ainda dava para ver que a estrutura havia passado por um serviço de funilaria não muito bem feito. E tudo foi pago com dinheiro do jogo do bicho.

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    (Mas as lanternas de Fusca 1500 nos para-lamas do 1300 foi obra do meu avô. E fiz questão de manter)

    Parece que Castor de Andrade gostava de carros. Tanto que foi preso enquanto visitava o Salão do Automóvel de São Paulo, em 1994. Ele viajou a São Paulo em um Honda Accord do mesmo ano e com placa personalizada, CAS-4114.

    O trecho a seguir, de uma reportagem do Jornal do Brasil publicada em 27 de outubro de 1994, conta a saga da prisão do contraventor.

    Castor é preso no Salão do Automóvel

    Cariocas reconhecem bicheiro disfarçado, que não reage à prisão, é elogiado por delegado e explica ter ido a São Paulo passear. Ao ganhar voz de prisão, o contraventor tentou convencer os policiais paulistas de que não havia nada contra ele no Rio.

    SÃO PAULO – O banqueiro do jogo do bicho Castor de Andrade – foragido desde o estouro de suas fortalezas em Bangu, em 30 de março deste ano, quando foram apreendidas listas de propinas envolvendo policiais e políticos – foi preso ontem às 19h30, em São Paulo, quando saia de uma visita ao Salão do Automóvel no portão número 1 do Palácio das Exposições do Anhembi. Ele usava bigode e cabelo tingido de preto e estava acompanhado do sobrinho Rogério Andrade e sua mulher, detidos pela polícia mas liberados pouco depois. O bicheiro não reagiu à prisão, feita por quatro investigadores da Delegacia Especializada de Atendimento ao Turismo (Deatur), chefiados pelo delegado Claudinê Pascuetto.

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    Apesar do disfarce, Castor foi reconhecido por dois cariocas que estavam no Salão e alertaram o tenente da PM, César Eduardo, de plantão no posto da Policia Militar do Anhembi. Castor de Andrade contou aos policiais que veio a São Paulo num carro Honda 1994 preto, placa CAS4114, a passeio. Ele ainda tentou convencer os policiais a liberá-lo. Alegou que não havia nada contra ele, mas os policiais confirmaram com a Polinter do Rio que há pelo menos um mandado de prisão contra ele, expedido há cinco meses pela juíza Denise Frossard.

    (…) Segundo Pascuetto, Castor nem quis chamar advogado. “Ele reagiu com tranquilidade e nos acompanhou sem problemas. Foi muito educado”, disse um investigador que participou da prisão. O bicheiro foi levado para a delegacia, pediu um copo d’água e esperou passivamente a presença do delegado Claudinê Pascuetto. Rogério Andrade que acompanhava Castor, controla o jogo no litoral Norte de São Paulo e representa os interesses do tio no estado. Em nome de Castor, Rogério tem demonstrado interesse na reabertura dos cassinos no pais. A mulher de Rogério chorou muito na hora em que foi dada a voz de prisão, e, segundo os policiais, somente se acalmou quando foi liberada pelo delegado. Equipes da Polinter e da coordenadoria de Inteligência e apoio Policia (Cinap) vão buscar o contraventor Castor de Andrade hoje. Eles devem embarcar durante a manhã e possivelmente trazê-lo ao Rio no mesmo dia. O advogado do contraventor Castor de Andrade, Wilson Lopes Santos, recebeu pela televisão, ontem à noite, a notícia da prisão de seu cliente. Ele disse que vai guardar a chegada de Castor ao Rio para analisar a necessidade de licitar à Justiça que ele fique preso num hospital. Segundo o advogado, o bicheiro “está com graves problemas cardíacos”. Mas adiantou que, independentemente de seu estado de saúde, vai exigir que seja cumprido seu direito de permanecer numa prisão especial, “de preferência o Ponto Zero”.

    (…) O advogado afirmou que o banqueiro de bicho pretendia se apresentar à Justiça somente depois que a denúncia do Ministério Público fosse acatada pelo Tribunal de Justiça. De acordo com o advogado, a denúncia está há meses no órgão Especial aguardando o parecer de oito desembargadores.

    (…) Segundo o advogado, a maior prova de que Castor não estava preocupado em ser preso foi a visita que fez ao Salão do Automóvel. Wilson adiantou que não pretende pedir o relaxamento da prisão. “Há muita prevenção contra ele no Ministério Público do Rio. Hoje, acreditam que prendendo Castor estará resolvido todo o problema do Rio. A fraude eleitoral, a criminalidade, etc.”, disse Wilson, acusando o Ministério Público de “perseguição implacável”. Sete meses de fuga A prisão de Castor de Andrade põe fim a um cerco policial de quase sete meses que começou ostensivo, desfez-se ao longo do tempo e teve sucesso por acaso

    (…) O procurador-geral de Justiça do Rio, Antônio Carlos Biscaia, classificou de uma “audácia” a atitude do bicheiro Castor de Andrade, surpreendido circulando livremente pelo Salão do Automóvel, em São Paulo, onde foi preso ontem. “É a convicção da impunidade e uma afronta a todos os cidadãos, à sociedade em geral. Várias vezes, chegaram informações de que Castor passeava de Mercedes, em Angra dos Reis. Nada foi feito no Rio para prendê-lo. Ele tinha que ser preso pela polícia de São Paulo”, ironizou o procurador, que soube da prisão através da imprensa.

    (…)A audácia do bicheiro Castor de Andrade irritou o presidente do Tribunal de Justiça do Rio, desembargador Antônio Carlos Amorim. “Foi um escárnio ele achar que ficaria impune ao ir ao Salão do Automóvel comprar um carro novo” afirmou.

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