Vox populi, vox Dei. Em latim, a língua dos romanos, o ditado denuncia sua longevidade, Há mais de dois milênios, a voz do povo costumava estar certa. Infelizmente, no universe motociclístico, nem sempre a voz corrente é verdadeira. Há muita “verdade”dita em tom de profunda sabedoria, mas que não passa de bobagem.
Como aqueles caras divertidos da TV, nós também saímos à caça de mitos, para desvendá-los de uma vez por todas. Selecionamos dez deles, entre os mais recorrentes no universo da motocicleta. Alguns parecem maluquices completas – mas são verdade! Outros parecem a fina flor da engenharia e expertise técnica, mas são rematadas asneiras. Exemplo que me ocorre é uma malandragem que virava e mexia aparecia na boca de um “sábio”: jogar umas bolinhas de naftalina no tanque era, segundo alguns oráculos do conhecimento motociclístico, uma maneira barata de aumentar o poder da gasoline e o desempenho da moto. Hoje ninguém mais faz essa besteira, mas muitos giclês de carburador (e até coisas piores, como bicos de injeção, tuchos de válvula etc.) ficaram entupidos pela meleca que os hidrocarbonetos destinados a espantar baratas deixavam na linha de combustível e até no motor.
Veja a seguir os dez mitos mais ouvidos nas conversas entre motociclistas.
1 – Ao usar pneus novos, é preciso ter cuidado nas curvas iniciais, porque eles vêm com cera e escorregam muito.
Mais ou menos. Os pneus não são encerados na banda de rodagem, como se crê, o que seria um atentado à integridade dos consumidores. O que ocorre – engenheiros de fábricas de pneus confirmam – é que o desmoldante usado para facilitar a retirada do pneu de sua forma durante o processo industrial de fabricação deixa a superfície do pneu muito lisa. Mas não é preciso sair fazendo “zerinhos” desabaladamente para retirar uma camada inexistente de cera do pneu. Basta conduzir com prudência até que a superfície da banda de rodagem adquira uma textura mais rugosa e aderente. Por outro lado, também não é nada aconselhável sair raspando joelhos no chão logo após a troca de pneus – ou ao retirar a moto da concessionária. Meia verdade, portanto: não há cera, mas o pneu novo é liso e escorregadio.
2 – Frear em emergências usando só o freio traseiro é mais seguro, e no meio de uma curva, então, só o de trás.
Nada disso. Use sempre e necessariamente o freio dianteiro. Frear unicamente com o freio traseiro é a melhor maneira de conhecer o chão, pois o efeito sobresterçante é acentuado e a moto vai sair de traseira. Usar apenas o freio de trás aumenta a distância até a imobilização, pois em uma desaceleração o peso (o centro de gravidade, na verdade) está deslocado para a frente e a traseira está levinha. Na reta, nem pense nisso: use os dois freios, na proporção mais ou menos padronizada de 70% na frente e 30% atrás. Já na curva, o melhor é dar uma endireitada na moto, frear forte e tentar consertar a curva depois de aliviar a frenagem. Frear em curva é um dos mais difíceis passos da pilotagem motociclística. De fato, entretanto, pode ser mais seguro alterar um pouco a proporção 70/30, reforçando a frenagem na traseira, já que uma escapada de traseira é mais fácil de consertar que de frente.
3 – Filtro de ar aberto ou substituído por uma meia fina de naílon aumenta a potência e o desempenho.
Não aumenta a potência, mas eleva sobremaneira as chances de seu motor perder durabilidade, ter pistão e cilindro riscados e até travar. É verdade que uma admissão de ar mais aberta pode tornar mais fluentes as acelerações e subidas de giro, mas não é, sozinha, capaz de elevar potência ou torque, que dependem de muitos outros fatores. E é também verdade que o risco de danos mecânicos certamente não vale a pena. Melhor manter o filtro de ar original bem limpinho e trocado, dentro das recomendações do manual de sua moto.
4 – Ponteiras esportivas de escape sempre aumentam o desempenho e permitem ao motor girar mais “livre”.
Nem sempre. Às vezes, quando são bem projetadas, podem melhorar a exaustão, mas sempre ao custo de maior nível de ruído – também chamado de poluição sonora, com prejuízos sociais e ambientais conhecidos. Algumas motos têm um catalisador também na região intermediária do escape. Se a instalação da ponteira exigir a retirada de catalisador, fuja correndo: ela deixará você sujeito a multa e apreensão da motocicleta, além de caracterizá-lo como um poluidor, daninho ao ambiente. Os tempos mudam e é preciso estar em sintonia com as demandas sociais: poluir com som excessivo ou gases nocivos está fora de moda. Se é que alguma vez esteve dentro…
5 – Usar graxa na corrente preserva a lubrificação por mais tempo. É melhor ainda com grafite em pó.
É, ambos – graxa e pó de grafite – são excelentes lubrificantes e parece mesmo que a mistura deles vai ser imbatível, não é mesmo? Nada disso: a graxa não penetra nos eixos internos da corrente, onde a lubrificação é mais crítica. Além disso, acumula poeira e areia grudadas, o que pode ser danoso em uma viagem longa, por exemplo. Também não adianta querer inventar e adicionar o lubrificante sólido grafite. Ele é ótimo para fechaduras, em que funciona a seco, mas junto com a graxa não ajuda muito. O melhor é usar o lubrificante que as fábricas indicam no manual, em geral o óleo SAE 90, bem espesso, e renovar o processo na quilometragem indicada no manual, também geralmente em torno de míseros 400 km rodados. Antes de passar o óleo, lave a corrente com querosene e pincel e sempre utilize folhas de jornal para revestir o piso – nunca deixe combustíveis contaminarem o solo. Há sprays específicos de boa aderência, mas nunca os confunda com os óleos desengripantes finos, muito mais comuns, ao estilo do WD-40 (a marca comercial mais conhecida), que podem estragar a corrente.
6 – Lavar a moto com o motor quente trica o bloco metálico, por causa do choque térmico.
Teoricamente pode acontecer, mas seria preciso um choque muito violento, algo como pegar um motor vermelho de calor e jogar numa tina de água gelada. É claro que o material utilizado no motor possui a resistência térmica necessária. Senão, imagine quantas motos ficariam em plena estrada após uma chuva de verão. De todo modo, não custa se prevenir, esperando a temperatura do motor baixar e ir molhando o metal gradativamente. Nunca vimos acontecer, mas prudência e caldo de galinha não fazem mal a ninguém…
7 – Motor de moto não precisa amaciar. Pelo contrário, dar um gás de cara “abre” o motor e ele vai andar mais.
Motor de moto precisa, sim, de amaciamento. Os conselhos das montadoras nos manuais que entregam com as motos novas são bem diversos. Há recomendações que chegam aos primeiros 150 km rodados e outras que se estendem por até 2 000 km. De qualquer modo, ao retirar sua moto zerinho da concessionária – ou da oficina mecânica onde o motor foi retificado -, rode com muita calma nos quilômetros iniciais. Isso pode fazer uma diferença sensível na durabilidade posterior do motor. Ajustes micrométricos entre peças móveis em situação crítica de temperatura e velocidade podem gerar riscos e desalinhamentos. Como regra geral, rode os primeiros 150 km sem passar de metade das rotações nas quais a faixa vermelha se inicia. Por exemplo, se a “red zone” de sua moto começa em 10 000 rpm, não passe de 5 000 rpm nesse comecinho. Em seguida, rode mais outros 150 km sem ultrapassar dois terços da rotação máxima permitida para seu motor (7 500 rpm, em nosso exemplo). E, finalmente, só atinja as rotações máximas depois de cerca de 1 000 km.
8 – Os pneus têm validade e, mesmo se estiverem novinhos, é bom trocá-los depois de algum tempo.
Sim, os pneus têm data de validade e vencem cinco anos depois de produzidos, quando o fabricante já não garante mais as condições da borracha, especialmente dos ombros, no tocante à elasticidade e rigidez. A data é indicada por um número de quatro algarismos que fica ao lado da sigla DOT: os dois primeiros algarismos indicam a semana de fabricação e os outros dois, o ano. Assim, o número 4208, por exemplo, indica que o pneu foi fabricado na 42a semana de 2008. Olho vivo.
9 – Os capacetes também têm data de validade e você pode ser multado ao trafegar com o equipamento vencido. Além disso, se um capacete cair no chão, deve ser substituído.
Não há data de validade para os capacetes, pois eles não são considerados produtos perecíveis. Se for multado, recorra. Por outro lado, uma queda com impacto importante pode comprometer, sim, as características de proteção de um bom capacete, inutilizando-o. Mas não é qualquer tombinho à toa: tem que haver uma deformação clara na superfície do casco, com rachaduras de alguma profundidade. Se isso acontecer, troque o capacete ou utilize-o como elemento decorativo. Sua segurança ele não vai garantir mais.
10 – Quem cuida da moto troca o oleo lubrificante a cada 1000 ou 2000 km rodados, no máximo.
É importante manter o lubrificante da moto em boas condições. Os motores motociclísticos são exigentes quanto à lubrificação, principalmente os refrigerados a ar. Em motores de moto, o óleo também atua como líquido de refrigeração, coadjuvante ao ar. Troque-o sempre como indicado no manual. Sob uso severo, a cada 3000 km. Em uso longe de poeira e sem “ralar”, dá para esticar a troca até uns 6000 km. Mas cheque sempre o nível do óleo. Mesmo motores novos têm algum consumo admissível – só não deixe o nível ficar abaixo do mínimo na vareta ou no visor.