Marcas de luxo mantêm oficinas de restauração de carros até no Brasil
Fabricantes de carros de luxo e superesportivos investem em centros para cuidar das relíquias dos clientes
Tem gente que se pudesse guardava o carro na sala de casa. Imagine os donos de clássicos de marcas esportivas e/ou premium, como Mercedes-Benz, Porsche, Aston Martin, Land Rover, Jaguar… Automóveis que mereciam uma cristaleira gigante personalizável para ficarem preservados.
As fabricantes de luxo sabem bem desse apego de seus clientes. Entre os muitos afagos que oferecem aos seus seletos consumidores, está a possibilidade de restauração, conservação e até customização de clássicos.
São centros oficiais inaugurados e mantidos pelas marcas em várias partes do mundo – inclusive no Brasil. Neles, profissionais qualificados e selecionados fazem um trabalho meticuloso e quase artesanal para ajudar a manter a memória – e a fidelidade do dono – do veículo. Nesse esforço de preservação do carro estão peças originais, muitas vezes fabricadas artesanalmente para cada modelo que vai ser recuperado. Em todos eles, certificados de originalidade para manter o valor do clássico imaculado.
Um conjunto de cuidados que fazem parte da expressão que todo profissional de marketing ama: oferecer uma experiência para o cliente.
“A ideia é combinar o know-how e serviços em todos os aspectos com veículos clássicos da marca”, afirma o porta-voz oficial do Mercedes-Benz Classic Center, Peter Becker. “O Classic Center também é o ponto de referência para os clientes entrarem no mundo dos clássicos da Mercedes”, explica.
O centro oficial de restauração da marca da estrela de três pontas foi inaugurado em 1990, em Fellbach, na Alemanha. O complexo oferece desde pequenos reparos até restaurações completas de mais de 1.100 carros do catálogo da Mercedes. Hoje, o Classic Center tem outras unidades espalhadas no mundo, como na Califórnia (EUA).
Outra alemã premium também abraçou a estratégia e a propagou mundo afora. A Porsche iniciou em 2015 a expansão de seus Classic Centers. Hoje são mais de 80 pontos em diferentes países, próprios ou com parceiros, que fazem a conservação e restauração dos clássicos da marca. Cálculos da empresa apontam que sete em cada dez Porsche produzidos em toda a história ainda rodam por aí.
A criação dos Classic Centers segue a lógica de atender essa demanda e ainda conta com um aparato no que diz respeito ao fornecimento de peças para os esportivos mais tradicionais: foi criada uma base com mais de 50.000 componentes originais para diferentes modelos da marca.
A jovem Pagani lançou recentemente o programa Pagani Puro, que certifica a autenticidade de cada componente dos supercarros da marca, quase como um raio X de originalidade. Segundo a empresa, são verificados mais de 400 itens dos automóveis. E, com base no banco de dados da montadora, faz-se um histórico completo das peças, números de série, fotografias e até os nomes dos mecânicos envolvidos em sua construção.
A cada trabalho de originalidade, o cliente recebe o Livro Puro. Uma obra encadernada em material de couro e produzida na sede da marca italiana, em San Cesario, que documenta a história completa do veículo, detalhando todas as verificações realizadas no carro.
É uma espécie de certificado de autenticidade que vai acompanhar o carro ao longo de sua vida útil. O que, na visão da Pagani, também valorizará ainda mais o veículo em questão.
Na Aston Martin, o “centro histórico” fica em Newport Pagnell, onde está situada a fábrica em que a marca nasceu, em Buckinghamshire, na Inglaterra. O local virou um centro de restauração de carros antigos da tradicional marca britânica. Além do trabalho de restauração, o complexo também foi palco de recriações do mais emblemático dos Aston Martin.
Em Newport Pagnell foram feitas 25 réplicas do DB5 Goldfinger, o famoso carro do agente secreto James Bond, na época interpretado pelo ator Sean Connery. O cupê reproduz toda a sorte de “acessórios” que o espião usou no filme 007 Contra Goldfinger: lançador de óleo traseiro, emissor de cortina de fumaça, placas giratórias, radar, escudo à prova de balas e até metralhadoras (falsas) embutidas. A fabricação foi artesanal e consumiu 4.500 horas… por carro.
Oficina Land Rover no Brasil
Outras duas emblemáticas fabricantes britânicas, Jaguar e Land Rover, também investem em centros de restauração. Partes do mesmo grupo, as marcas repetem esse processo artesanal na Inglaterra, não só para restaurar carros como para produzir peças que não existem mais.
Além disso, há exemplos de automóveis recriados do zero, como um Jaguar XKR e um C-Type que havia sido destruído em um incêndio. Tem até o caso de um E-Type Lightweight que foi “produzido” para participar de competições clássicas de automobilismo no Reino Unido.
Na outra ponta da empresa, o Land Rover Classic inspirou a filial brasileira do grupo a replicar a ideia por aqui. Assim surgiu a Clínica de Restauração da marca britânica de utilitários fora de estrada, que funciona dentro da fábrica da JLR em Itatiaia (RJ) há pelo menos três anos.
Curiosamente, a filial daqui sempre teve no radar criar serviços personalizados. Mas o pontapé que faltava veio de um proprietário (o seu Nonô) e de Cauã Raymond. Ele mesmo, o galã da TV que é embaixador da marca.
Cauã costuma surfar na Praia da Joatinga, na zona sul do Rio de Janeiro, onde se deparou com um Defender do seu Nonô, dono de um bar na região. O jipão estava regado a maresia e sal, mas o dono não tinha condições de bancar uma restauração.
“Ele sugeriu a restauração e na hora abraçamos a causa”, lembra Paulo Manzano, diretor de Marketing e Produto da Jaguar Land Rover do Brasil. “Foi a deixa para abrir uma clínica de restauração aqui. No ano seguinte, apareceu nosso primeiro cliente e desde então temos uma fila enorme de donos que querem recuperar os seus carros.”
São cinco pacotes de serviços oferecidos no local. Manutenção básica de partes da carroceria, manutenção mecânica, revitalização de modelos, restauração e até mesmo customização.
Hoje o centro de restauração brasileiro da Land tem 12 baias para atender a diferentes modelos da marca. A grande demanda é por Defender, mas Manzano já observa um movimento de SUVs mais novos da linha Range Rover.
“Era um Range Rover Sport 2011 e o cliente pediu para fazer uma revitalização. Foi uma ótima experiência ver um carro de 11 anos já se tornando um clássico, inclusive pelo valor sentimental que ele tem para o dono, o que é um pouco reflexo da nossa marca”, acredita o executivo.
Esse valor sentimental dos veículos que chegam para restauração são repassados para os 16 colaboradores que trabalham na Clínica de Restauração da Land Rover. O requisito básico para trabalhar lá é que todos devam ser apaixonados por automóveis.
“Para cada carro que entra na clínica, a equipe quer saber a história do veículo: resgatar o que esse modelo representou na vida do dono e entregar um serviço onde o cliente e o carro sejam especiais”, enaltece Paulo Manzano.
A tal da “experiência” do cliente, de ponta a ponta, para mantê-lo junto à marca. Tanto é que a JLR Brasil tem planos de abrir a mesma clínica para os modelos da Jaguar. “Essa é a ideia, de completar a jornada do cliente”, diz Manzano.