Maior veículo off-road do mundo tinha 173 metros e rodava de pneus murchos
Criado para a instalação de uma enorme rede de radares, veículo tinha 4.680 cv e tração em 54 rodas, mas foi trocado por helicópteros
A tensão da Guerra Fria motivou o desenvolvimento de uma infinidade de tecnologias e equipamentos. Entre eles o maior veículo de transportes do mundo, o LeTourneau TC-497.
A possibilidade bombardeiros da União Soviética alcançarem o território norte-americano pelo Ártico (escapando da vigilância europeia e do oceano Pacífico) gerava medo. A solução encontrada pelo Pentágono: criar uma rede de 60 radares acima do círculo polar ártico, do Alaska até a Islândia.
Era o início dos anos 1950 e dinheiro não seria problema para instalar as 60 estações de radar, que formavam a DEW Line (sigla em inglês para Linha de Alerta Precoce Distante).
Mas as condições climáticas e a falta de qualquer tipo de transporte ou estradas 300 km acima do círculo ártico, rente ao paralelo 69, eram o grande problema.
Estados Unidos e Canadá calcularam ser necessário transportar pelo menos 500 toneladas de material para construir as primeiras bases antes mesmo de iniciar a instalação das estações de radar. A solução para fazer isso onde nem sequer havia aeroportos seria por via terrestre. E uma frota de Ford F-Series ou picapes Chevrolet não resolveria o problema.
O problema caiu no colo da The Western Electric Company, filial da AT&T que havia ganhado o contrato de construção das estações de radar. Mas a TRADCOM (U.S. Army Transportation Research and Development Command) facilitou o contato com Robert Gilmore LeTourneau, inventor mais conhecido como R.G. LeTourneau.
Autodidata, LeTourneau foi responsável por mais de 70% dos equipamentos pesados (como retroescavadeiras, gruas e até equipamentos navais) usados na Segunda Guerra Mundial e detinha mais de 300 patentes.
Sua inovação mais recente era um sistema híbrido em série, que usava um poderoso motor a diesel para gerar energia para os motores elétricos que estariam encarregados de mover o veículo. Seria uma adaptação do sistema diesel-elétrico usado em navios e trens desde o início do século XX não fosse por um detalhe: cada roda teria seu próprio motor.
A grande sacada estava em não depender de cardãs, diferenciais e ter muito mais força disponível a qualquer momento, além da manutenção de motores elétricos ser menos recorrente e dispendiosa.
LeTourneau adotou esse conceito primeiro em grandes escavadeiras, mas já em 1953 criou um “trem sem trilhos” para a indústria madeireira com híbrido. Chamado VC-12, usava motor diesel Cummins de 500 CV conectado a um gerador para alimentar 12 motores elétricos, quatro em cada um dos três vagões do veículo. A capacidade de carga? 140 toneladas.
Mas foi quando LeTourneau adicionou mais três vagões e uma cabine de comando oposta que despertou o interesse da TRADCOM. Das primeiras conversas, surgiu o primeiro protótipo para uso no Ártico.
Era o TC-264 Sno-Buggy, que usava o mesmo motor do caça P-38, um V12 Allison de 28 L convertido para queimar butano, para gerar energia elétrica para alimentar apenas quatro motores elétricos. A despeito do tamanho, o veículo não tinha suspensão: os oito pneus, que calçavam rodas com 3 metros de diâmetros, eram usados com pressão mais baixa para absorver os impactos.
Após ser aprovado em testes na Groenlandia em 1954, o Sno-Buggy teve dois irmãos encomendados. Mas cada um deles tinha importantes diferenças.
O primeiro deles foi o VC-22 Sno-Freighter entregue para a Alaska Freightlines, que havia sido contratada pela Western Eletric para o transporte de materiais. Era o maior veículo off-road do mundo, com um vagão de controle e cinco para transporte de cargas, totalizando 83,5 metros de comprimento.
O motor Cummins de 400 cv se encarregava de alimentar com eletricidade as 24 rodas motrizes e a capacidade era de 150 toneladas.
O Sno-Freighter foi usado por anos na construção da DEW line, até que um incêndio em um dos motores comprometeu sua operação. Ele foi levado do Canadá ao Alaska, onde está abandonado até hoje.
Na mesma época, LeTourneau entregou o LCC-1 (de Logistics Cargo Carrier-1) ao exército. Tinha quatro vagões, sendo que a primeira era a responsável pela tração. Não por acaso, embora seu motor diesel tivesse 600 cv, transportava 45 toneladas.
Mesmo assim, o LCC-1 foi usado na Groenlandia entre 1956 e 1962. E mesmo após ter ido parar em um desmanche no Alaska, foi resgatado por um museu de transportes do Canadá.
A eficiência do LCC-1 fez o exército encomendar um novo trem com rodas ainda maior: TC-497 Overland Train Mark II.
Quatro turbinas a gás com 1.170 cv espalhadas ao longo do trem de 173 metros de comprimento geravam energia para as 54 rodas motrizes. A autonomia era de 640 km a uma velocidade de 32 km/h e 150 toneladas de carga. Mas havia a possibilidade de aumentar a autonomia adicionando outros vagões de combustível.
Uma inovação do TC-497 era contar com um eixo esterçante em cada um dos vagões, reduzindo muito o diâmetro de giro que, nos antecessores, chegava a 300 metros – quase tão ruim de manobrar quanto uma Fiat Toro.
O vagão de comando tinha 9 metros de altura e, por ter apenas uma turbina, havia espaço para toda a estrutura necessária para a tripulação. Dentro dele, seis pessoas tinham alojamento, uma grande despensa e um banheiro completo.
O TC-497 chegou a ser testado pelo exército norte-americano no deserto do Arizona, mas a evolução chegou.
Helicópteros como o Sikorsky CH-54 Tarhe e o S-64 SkyCrane se tornaram os veículos mais eficientes e ágeis para levar materiais pesados para os lugares mais distantes do planeta.
O TC-497 ficou sem utilidade e teve todos os seus vagões desmantelados em pleno deserto. Apenas a cabine de comando sobreviveu para contar a história de um dos maiores veículos que já circularam sobre a Terra.
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