Hoje quase tudo é global. Todos temos os mesmos celulares, softwares, jeans, problemas e cerveja. Mas a Grã-Bretanha não está interessada em adotar o gosto dos americanos por picapes.
A que você vê acima é uma Ford F-150, de longe o veículo mais vendido nos Estados Unidos. Por ano, vende-se lá mais F-150 do que o total de carros produzidos na Itália. Uma delas é feita a cada 35 segundos.
Mas não pense que a Ford é a única dona desse mercado: a GM vende uma Chevrolet Silverado por minuto. E ainda tem as GMC e as Ram.
São tantas vendidas que você começa a pensar se o peso total dessas coisas num mesmo canto do mundo não afetaria a órbita da Terra.
A principal razão pela qual elas são tão populares lá é que são baratas. Existe, é claro, uma razão para isso. Elas são – como posso explicar? – um tanto básicas.
Para fazer uma, você só precisa de um par de dormentes de ferrovia, 3 toneladas de lingotes de ferro, um lingote de alumínio e a suspensão de um carro de boi. E daí tem o motor, que não precisa atender às leis de consumo que se aplicam a automóveis.
E qualquer político que pense que isso deveria mudar será visitado na calada da noite por milhões de homens com nomes cristãos e bonés de beisebol sujos de graxa.
Mas o baixo custo não é a razão pela qual elas também são populares na Austrália e Canadá. Há uma questão antropológica.
A maioria que vive nesses países é de descendentes que chegaram de outros países em um passado não muito distante e tiveram de começar a vida do zero.
Eles precisavam ser práticos, saber como lidar com a terra e, portanto, serem fortes. Você vê a evidência disso em shopping centers.
Na Europa Ocidental, onde descendemos de Leonardo da Vinci e Beethoven, nós vamos à cidade para comprar sapatos. Lá eles vão à cidade para comprar um novo equipamento de terraplenagem.
E é a mesma história no Canadá. Toda loja que vi em uma viagem recente ao interior da Colúmbia Britânica vendia escavadeiras, misturadores de cimento, guindastes e fornalhas.
No final de semana, os europeus assistem a um jogo de futebol e, quem sabe, montam um quebra-cabeça. Os canadenses vão para o jardim e perfuram o solo em busca de petróleo ou fundem zinco.
É por isso que todos que não moram na cidade têm uma picape. Porque é necessário. E todos que moram na cidade também têm, porque precisam parecer que estão indo para o mato para fazer mineração de chumbo.
Quem mora na Europa Ocidental não precisa manter a aparência de que sabe como minerar chumbo, por isso não precisa dirigir o que é basicamente uma carroça coberta.
Se você não for um caçador de animais de grande porte, e a maioria das pessoas não é, você pode ter um bom Volkswagen Golf a diesel e está tudo bem.
Exceto pelo fato de que a picape que eu estava dirigindo não era tão ruim. Ela era bem agradável. De fato, muito agradável. Tão agradável que eu me apaixonei por ela.
Ela começou sua vida como uma F-150 SVT Raptor, que vem com um V8 de torque generoso, um urro de “saia da minha frente”, saídas de ar no capô e uma suspensão de curso longo, que permite que você ande a mais de 160 km/h no deserto sem fazer sua latinha de cerveja derramar.
E ela foi equipada com compressor mecânico pela Hennessey, a fabricante do Venom, um dos automóveis de rua mais rápidos do mundo.
Isso significa uma usina que produz 600 cv, fazendo com que esse monstro de 2 toneladas vá de 0 a 96 km/h em hilários 5,2 segundos.
Tudo sobre esse veículo é hilário. A picape é comicamente grande, comicamente barulhenta e comicamente espalhafatosa. E ainda recebeu o nome de VelociRaptor 600. Ela é o exato oposto da rainha e tudo que prezamos na Inglaterra. E no entanto…
Em uma viagem de 16 horas pela Colúmbia Britânica até a cidade de Trail, você precisa dar uma risada de tempos em tempos.
Por isso, eu gostei de estar em um porta-aviões amarelo, especialmente porque ela é muito confortável.
Em baixas velocidades em ruas esburacadas de uma cidadezinha do interior, você percebe que ela foi construída com os mesmos princípios de uma bomba d’água de uma mina de carvão e o mesmo tipo de suspensão traseira que você encontraria em um carrinho de bebê.
Então começou a nevar e a estrada ficou mais íngreme. Era hora de engatar o 4×4. Em um Range Rover isso é fácil. Basta dizer ao carro que tipo de terreno você vai atravessar e ele acerta o câmbio e o diferencial para você.
Na VelociRaptor, você gira um botão para engatar a tração, gira de novo para selecionar a reduzida e puxa-o para travar o diferencial traseiro. É tudo bem 1963, mas vou contar um segredo: funciona.
Normalmente eu não confio em eletricidade. Uma linguiça que sai do micro-ondas não vai ser tão confiável quanto uma assada no fogo. E é a mesma história com um Range Rover.
Você não sabe realmente o que está acontecendo lá embaixo, ao passo que nessa picape Ford dá para saber. Porque você pode ouvir os barulhos dos elementos mecânicos trabalhando quando move uma alavanca na cabine.
E sim, ela pode atravessar terrenos difíceis. E rios. E montanhas.
Não sei se um Land Rover com os mesmos pneus permitiria que você se embrenhasse no mato mais do que a VelociRaptor.
E tenho certeza de que você não conseguiria sair de uma mata fechada com a mesma facilidade, porque após a noite chegar você aperta um botão com o nome de “Aux1” e um sol escondido no teto do veículo irrompe, transformando cerca de 300 km de escuridão em um branco de gelo brilhante.
Isso é infantil. A coisa toda é infantil. E boba, e enorme, e equipada com tanta potência que uma boa arrancada com a tração 4×4 poderia fazer com que a rotação do mundo desacelerasse um pouquinho. Mas quem não quer tudo isso na sua vida?
Há ainda o fato de que eu não consegui imaginar uma única coisa para colocar na caçamba. E, se tivesse, ela seria roubada na primeira vez que eu parasse em algum lugar.
E ela seria impossível de estacionar em qualquer cidadezinha britânica. Então, eu não gostaria de ter uma caminhonete Hennessey VelociRaptor. Mas estou feliz de que existam pessoas por aí que queiram.