Jeremy Clarkson: Citroën C3 Aircross é um presente de grego
Por incrível que pareça, o C3 Aircross é uma das melhores coisas que existem para encarar uma nevasca de três dias. O duro é aguentá-lo os outros 362 dias
Quando a tempestade Beast from the East (Fera do Leste) chegou ao Reino Unido, eu estava curtindo um fim de semana nas colinas de Cotswolds, bem no centro da Inglaterra.
Eu deveria ter ido para Londres na noite anterior ao meu voo para as Ilhas Seychelles, já que as pessoas explicaram que meu chalé, no topo de uma daquelas montanhas, estaria entre as primeiras vítimas do “inferno das nevascas assassinas”. Mas eu disse “Bah!” e as ignorei.
Foi um erro, porque quando acordei, o acesso ao meu chalé tinha 1,5 metro de neve.
E, assim, enquanto tentava fazer as malas com uma mão, eu telefonei em pânico para um fazendeiro local com a outra, perguntando se ele podia trazer seu trator.
“Não vai adiantar muito”, disse ele naquele jeito alegre de gente do campo, “porque mesmo se conseguir chegar à vila, dali você não vai a lugar algum”.
Eu tomei isso como um desafio, e fui dar a partida no meu fiel Range Rover de 11 anos de idade.
Mas ele decidiu que não gostava muito da ideia de descer uma ladeira com 1,5 metro de neve, e teve uma falha elétrica.
O que desativou o sistema off-road, e a partir daí tudo o que ele fazia era escorregar.
Felizmente, eu peguei emprestado naquela semana um Citroën.
Infelizmente, era algo chamado de Aircross, que é um mini-MPV urbano crossover off-road nos moldes do Kia Stonic, Hyundai Kona e meia dúzia de outros que você preferiria se suicidar a ter de comprar um.
Para tentar fazer com que se destaque no mar de horripilâncias, ele traz barras de teto laranja, placas de proteção grossas e molduras de para-lamas de aspecto robusto, mas tudo isso é meio como os calçados da Theresa May.
Muito engraçados, mas que não enganam ninguém.
Eles certamente não estavam me enganando, porque debaixo da pele o Aircross é, na verdade, um Vauxhall (marca que até pouco tempo atrás pertencia à General Motors, como é até hoje a Chevrolet no Brasil).
E é isso que você quer? Um Vauxhall com os calçados da Theresa May e que foi fabricado na Espanha?
Nem você nem eu. E definitivamente não era o que eu queria naquela manhã enquanto a Fera do Leste criava grandes montes de neve.
Porque, embora o pequeno Citroën pareça ter tração nas quatro rodas, ele não tem.
E também não tem muita cavalaria sobrando, porque seu motor 1.2 de três cilindros foi projetado para diminuir os impostos que paga em Paris, não para enfrentar uma tempestade de neve.
Sim, graças a um turbocompressor, ele desenvolve 131 cv, que é mais do que você esperaria de um motor tão pequeno. Mas não ia ser suficiente.
Porém, eu não tinha alternativa. Assim, carregamos as malas e fiquei mexendo um pouco no sistema de controle de aderência, que eu supus ser um negócio para induzir as pessoas a pensar que esse pedacinho de arrogância europeia poderia tentar enfrentar trilhas por onde ele jamais passará, e fomos embora.
Como a estrada até a vila estava fora de questão, decidi pegar uma rota rural.
Imaginei que a maioria da neve teria sido soprada para os campos e as estradas estariam livres.
Também avaliei que, como estava muito frio, e porque essa parte do país é bem pedregosa, não haveria muita coisa grudenta para atolar o Citroën.
E, incrivelmente, o Aircross fez um bom progresso, sacolejando pela paisagem gelada, que mais parecia a Antártida.
Logo chegamos a uma estrada com mais neve do que a de acesso ao chalé. E foi a mesma história na estrada seguinte. Mas finalmente cruzamos uma cerca viva e emergimos na vila, que parecia totalmente deserta.
Todos tinham seguido o conselho dos meteorologistas e ficaram em casa com a família, para aguardar a mão gelada da morte.
Mas pelo menos não havia montes de neve na saída da vila, por isso fomos em frente e logo chegamos à cidadezinha seguinte e então – alegria suprema – à estrada principal. Que estava bloqueada.
Um BMW – marca famosa por ter os piores carros para a neve do mundo – tentou subir uma colina não muito íngrime e falhou.
Isso fez surgirem vários entusiastas do fora de estrada, que estavam principalmente inventando coisas com cordas.
Foi divertido ver mulheres estridentes que reclamam o ano todo de carros off-road andando na cidade implorando pela ajuda dos motoristas desses veículos.
Por outro lado, todo mundo ali riu do meu Citroën: diziam que, mesmo que o BMW fosse retirado, havia um caminhão encalhado e não tinha como passar por ele.
Tentamos outra rota, mas também estava bloqueada por um caminhão. As equipes estavam fazendo o melhor que podiam, mas era uma causa perdida.
Só havia uma opção: rumar para um terreno ainda mais alto, por uma pequena estrada vicinal.
Eu não tinha muitas esperanças, até porque um entusiasta do off-road me parou e disse que esse caminho encontrava-se intrafegável.
Porém, ele não estava levando em consideração o pequeno Citroën, que – em condições que estavam parando até trens – acabou passando.
Havia muita coisa errada com ele. Os limpadores de para-brisa faziam um barulho horrível, os alertas sonoros eram altos demais e você não consegue desligar a função stop-start sem entrar em um submenu da tela de comando e controle.
Mas leve em consideração que, ao não colocar um botão para essa função (ou para qualquer outra), a Citroën economizou algumas poucas libras, e isso é repassado para o cliente.
Se você quer um MPV crossover pequeno para uso urbano, o Aircross oferece um bom custo-benefício.
E, mesmo tendo um monte de coisas para incomodar seu proprietário em 362 dias do ano, ele é brilhante para os três dias em que temos neve.
Ele é, de longe, o melhor veículo off-road que já dirigi.
Mas como achei que ele não seria, cheguei às Ilhas Seychelles ainda vestindo meu casaco de caça de Cotswolds.
O cara da imigração deve ter achado que eu estava maluco.