Se você é europeu e já tem certa idade, vai se lembrar de que, nos anos 70, os carros da Mercedes-Benz eram obstinadamente sensatos. Eram projetados para nunca empolgá-lo. E era isso. Você comprava um porque tinha feito as contas. Você calculava a taxa de depreciação, quanto o uso e a manutenção custariam e percebia que o maior preço de compra do Mercedes fazia sentido. Para essas pessoas, dirigir era algo que tinha de ser feito. Como passar roupa. A ideia de que podia ser algo divertido era ridícula.
Os Mercedes médios passaram por um processo de desenvolvimento glacialmente lento nos anos 80 e 90. Cada novo modelo mal podia ser chamado assim. Sim, cada um deles incorporava novidades, mas só aquelas que faziam sentido e funcionavam. Coisas para chamar a atenção? Isso era para outras pessoas. E sair de traseira era perigoso.
Então, em 2009, algo estranho aconteceu. O novo Mercedes médio, o Classe E, chegou ao mercado com um vinco curvo na asa traseira. Não servia para nada. Era um pouquinho de tolice de estilo sem sentido. E nos outros modelos da marca recursos de estilos sem sentido começaram a aparecer por todo lado. Surgiram lampejos de cromado e grades de radiador que pareciam o fogão de um apartamento estiloso. Passou a existir modelos de que ninguém precisava. Era como se alguém na Mercedes tivesse ganhado na loteria.
Isso provavelmente aconteceu porque as pessoas que compravam carros fazendo as contas percebiam que, se quisessem baixo custo de uso, melhor seria levar um Hyundai. Ou talvez porque executivos chineses não gostam de sutilezas e acham que moderação é algo que tem a ver com uma cela da cadeia ou um bordel. Enfim, fiquei tão horrorizado que deixei de comprar os Mercedes e passei para os da Volkswagen.
Mas então, há pouco tempo foi lançado o novo Classe E e, espera aí: o que é isto? O vinco curvo na asa traseira sumiu. O estilo artístico de porta de geladeira voltou. É apenas um carro com formato de carro.
E as coisas ficam ainda melhores, porque a versão perua que testei tinha um porta-malas realmente enorme. O que eu quero dizer? Quando você rebate o banco traseiro, você fica com 1.820 litros de espaço – o Audi A6 lhe dá 1.680 e o BMW Série5, 1.670. E tem mais: em breve a Mercedes terá a opção de dois assentos dobráveis para crianças instalados no porta-malas. Assim, ela também será ótima para quem pratica métodos católicos de controle de natalidade.
Meu carro de teste tinha motor 2.0 turbodiesel, que poderia parecer um pouco para um veículo com esse tamanho e peso. Mas os números de desempenho são respeitáveis (0 a 100 km/h em 7,7 segundos). E a economia de combustível, excepcional. Graças, em parte, ao novo câmbio automático de nove marchas, é possível chegar à média de mais de 20 km/l.
O ponto negativo, é claro, é que o lobby ambientalista recentemente decidiu que o diesel – do qual ele costumava gostar – agora é terrível e deveria ser banido do centro das cidades. Eu não me preocuparia, no entanto, pois quando descobrirem como isso afetaria seus adorados ônibus, eles vão decidir que o diesel é de novo uma coisa boa.
O novo Classe E é divertido de dirigir? Não. Mas tudo bem com isso. Porque, lembre-se, ele é uma ferramenta. Seu ferro de passar também não é divertido de dirigir. Nem seu cortador de grama. Se quiser algo divertido de dirigir, compre um buggy. Ou um BMW. Mas ele é silencioso. Incrivelmente silencioso.
Ele tem um motor que usa compressão para forçar o combustível a explodir (ok, queimar), e isso em geral resulta em barulho de barco de passageiros. Mas o motor do meu carro só murmurava. Suavemente, como o ursinho Pooh quando estava pensando sobre alguma coisa.
Ele também é muito confortável. Sim, as rodas AMG com pneus pintados nelas se esforçaram ao máximo para estragar tudo, mas dá para perceber que, sem elas, ele seria suave como um hovercraft e flexível como um saco de feijão. O que me leva às lombadas…
O lobby de segurança nas estradas, que é administrado por uma sucursal da unidade de preservação do urso-polar, costumava dizer que elas eram ferramentas vitais na luta contra o capitalismo e o McDonald’s. Mas eles também mudaram de ideia, e agora dizem que todas elas devem ser removidas.
Não sei bem se entendo seu raciocínio, mas tem algo a ver com a forma com que temos de frear e então reacelerar quando passamos por uma delas, o que é ruim para as calotas polares. Ou seria para as ambulâncias? Não sei ao certo.
Até agora, então, o novo Classe E não mostrou qualquer deslize. Mas agora vamos ao interior, que é claro e espaçoso, mas com um painel de instrumentos que parece, quando se olha pela primeira vez, ter sido trazido de uma daquelas lojas de equipamentos de som com iluminação fluorescente que há na periferia de qualquer cidade do Oriente Médio.
Há duas telas de TV, uma que diz o que você precisa saber (combustível, velocidade etc.) e outra que diz para onde você está indo e qual dos 64 ajustes de iluminação interna está sendo usado. Quando entra no carro pela primeira vez, você acha que é tudo complicado demais, e que deveria pular fora dali. Mas não é. Funciona maravilhosamente.
Também fiquei preocupado com o material do painel. Parece ser de uma madeira de textura estranha, tão negra quanto ébano, mas fosca, em vez de brilhante. Então você a toca e percebe que é plástico disfarçado de madeira – e isso é horrível.
Mas será mesmo? O estofamento dos Mercedes antigos era feito de plástico disfarçado para parecer couro, e ninguém se importava.
Então aí está. A Mercedes voltou, fazendo o que faz de melhor. Fabricar carros para entusiastas de álgebra. Se você é um deles, este é um carro muito bom.