Sim, você viveu para ver o Mustang na forma de um SUV elétrico. E a Ford está confiante de que é isso que o consumidor de hoje realmente quer.
A notícia pode soar um pouco chocante. A própria fabricante admite que não foi fácil para alguns de seus funcionários (inclusive do alto escalão) se acostumarem à ideia de ver um Mustang tão diferente de seu conceito original.
O Ford Mustang Mach-E é uma resposta – talvez muito sincera – aos anseios dos consumidores contemporâneos.
E não custa lembrar que o Mustang nasceu da mesma forma. A diferença é que os norte-americanos queriam um carro rápido, potente e barato no início dos anos 1960.
Agora, quase seis décadas depois, a Ford diz ter notado que o consumidor não quer algo muito diferente. Ainda existe demanda por carros bonitos a ponto de serem objetos de desejo e que sejam capazes de divertir o motorista.
Mas também precisam ser conectados, úteis e práticos no dia a dia, e capazes de levar a família. Além, claro, de serem elétricos. Foi aí que a Ford resolveu recorrer ao seu esportivo de maior sucesso.
E não estamos falando só de uma homenagem no design. Os engenheiros de desenvolvimento também buscaram seguir a filosofia do Mustang em qualquer detalhe que fosse possível.
Basta notar que preservaram o longo capô, que não é fundamental quando não se vai colocar um V8 ali.
O eixo dianteiro também é deslocado para frente, só para dar a mesma sensação de direção. Afinal, não há um câmbio e um cardã para levar a tração às rodas de trás.
Mas a tração é majoritariamente traseira: o maior motor (que também pode ser o único) está lá.
Potência ele também tem, dependendo da versão. Nas GT, o motor traseiro, sozinho, pode entregar entre até 337 cv, mais do que os 314 cv da versão 2.3 EcoBoost, e 57 mkgf, acima do torque do motor 5.0 V8.
Quando há motor elétrico dianteiro, chegamos a 465 cv, mesma potência da versão V8 GT vendida no Brasil, e torque incrível de 84,6 mkgf.
Mas a tração passa a ser integral, o que se dá gerenciando a força de cada motor da forma mais adequada até uma distribuição limite de 30/70 entre os eixos dianteiro e traseiro.
Enquanto a versão básica, Select, com 258 cv, 42 mkgf e tração traseira vai de 0 a 100 km/h em cerca de 6 segundos (a Ford não divulgou nenhum número exato de desempenho), a intermediária GT cumpre o mesmo em 4 segundos.
Há ainda o Mustang Mach-E GT Performance Edition, com os mesmos 465 cv do GT, mas capaz de alcançar os 100 km/h em cerca de 3 segundos.
O GT Performance ainda tem amortecedores Magneride adaptativos, grade cinza, bancos esportivos e rodas forjadas aro 20.
Mas nenhum Mach-E tem modo Drift ou alguma facilidade para queimar pneus, por causa do peso. “Quem sabe em uma próxima fase”, disse Ted Cannis, diretor da divisão de elétricos da Ford. Contudo, Ted confirmou a possibilidade de uma versão Shelby ainda mais potente.
Quanto às baterias, há dois conjuntos. O menor tem 75,7 kWh de capacidade e o maior, 98,8 kWh.
A autonomia varia de 337 km (com bateria pequena e tração integral) e 480 km (com 336 cv, tração traseira e a bateria de maior capacidade). O GT, por sua vez, alcança 378 km. Isso, no ciclo EPA utilizado nos Estados Unidos.
Para a Europa, que usa o ciclo WLTP para definir a autonomia, a Ford anuncia até 600 km por carga.
Mas, para que a recarga não seja um problema, há algumas alternativas. O Mach-E será vendido com um carregador para tomadas convencionais capaz de repor 4,8 km por hora a 110V e 35 km a 220V. Já com o Ford Connected Charge Station, que nos EUA será vendido e instalado por meio da Amazon, recupera-se 50 km por hora.
Outra opção é utilizar carregadores públicos, que podem ser mais rápidos. O aplicativo FordPass apontará os pontos de recarga mais próximos e ainda será capaz de planejar uma viagem incluindo a recarga na rota – informará ainda o tempo de recarga e o valor.
O Mustang Mach-E tem três modos de condução: Whisper (Sussurro), Engage (Engajado) e Unbridled (Desenfreado).
Cada um deles proporciona respostas diferentes de direção, pedal, regeneração da energia ao tirar o pé e até o barulho simulado internamente (que varia desde algo como chuva na roda a um barulho mais grave).
Carne que não é carne
Se já é possível fazer hambúrguer com textura e gosto de carne usando vegetais, por que a Ford não faria um SUV parecer um Mustang?
Os designers também se preocuparam em criar uma frente fiel à do cupê esportivo, seguindo as linhas dos vidros laterais e mantendo o para-lamas encorpado.
Deram ao Mach-E, ainda, faróis estreitos e lanternas com três barras verticais, elementos estéticos que acompanharam o Mustang em suas principais gerações.
Mas o que chama atenção mesmo são as maçanetas. Ou a falta delas.
O Mach-E pode ser desbloqueado usando o Bluetooth do celular ou um teclado numérico na porta do motorista. Feito isso, aperta-se um botão na coluna e a porta se abre levemente.
Nas dianteiras, há uma pequena alça para puxar a porta na altura do friso da janela, mas as traseiras devem ser puxadas pelo canto da porta. Funciona, mas é exótico.
O interior, por sua vez, é bem diferente do que se viu até agora em um Mustang. Talvez por lembrar os carros da Tesla.
A tela central de 15,5 polegadas é parte fundamental. Ela opera a quarta geração do sistema Sync, que se integra a assistentes virtuais (Google Assitente, Siri e Alexa) e também é capaz de aprender com o usuário.
Enquanto a parte superior da tela exibe um aplicativo, abaixo sempre estarão os seis últimos aplicativos ou tela de função utilizados.
Na parte inferior, os controles do sistema de climatização são fixos e envolvem um comando físico giratório para o volume. O objetivo da Ford foi deixar o sistema o mais intuitivo possível.
A central pode ter três usuários diferentes mais um convidado cadastrados. Estes perfis armazenam cerca de 100 configurações, entre preferências e personalizações, e ficam armazenados na nuvem.
O motorista não só pode deixar o carro configurado a seu gosto rapidamente, como consegue levar as mesmas configurações a outro carro da marca conectado ao aplicativo FordPass (e, futuramente, com o sistema Sync4).
Se a interface da central promete ser mais amigável, uma segunda tela cumpre a função de quadro de instrumentos.
Diz a fabricante que foi uma demanda dos consumidores, que fazem questão de ter fácil acesso às informações básicas do carro. E não deixa de ser uma resposta aos Tesla, que concentram tudo na tela central.
Ao redor há alguns comandos que remetem aos outros Ford: destravamento das portas, vidros elétricos e retrovisores são velhos conhecidos. O seletor de marcha giratório, por exemplo, parece ser o mesmo do Fusion.
Mas nota-se outras preocupações. A faixa central do painel, acima das saídas de ar, pode funcionar como um soundbar. Basta optar pelo sistema de som opcional da Bang&Olufsen.
Além disso, o carro é vegano: independente da versão, não há nada de origem animal, nem mesmo na forração dos bancos. Só mesmo o nome Mustang.
Já o apoio de braços central esconde um compartimento tão grande que a Ford diz ser capaz de comportar uma bolsa ou um laptop – e isso também foi uma demanda dos consumidores.
Atrás, a concepção de um carro elétrico mostra seu valor. O assoalho traseiro é totalmente plano e o assento fica em posição ideal para as pernas e cabeça. E há espaço suficiente para dobrar as pernas.
O fato de não ter um tanque de combustível para instalar sob o banco ajuda bastante nessas horas.
O porta-malas é um pouco raso, mas tem boa capacidade de 402 litros. Mas ainda há outro compartimento na frente (sobra espaço ali, lembra?) com até 136 litros de capacidade.
Ele é totalmente vedado e possui dreno, o que permite a ele ser utilizado até mesmo como um cooler para bebidas.
Quando um esportivo elétrico faz sentido
A Ford nos convidou para dar uma volta de carona em protótipos do Mustang Mach-E. É o contato mais próximo com o carro que se pode ter neste momento: ele só começará a ser entregue no final de 2020.
Como alguns carros elétricos, ele brinca com algumas características que favorecem os elétricos. É a disponibilidade imediata de torque e o peso das baterias, que aumenta a aderência e está concentrado no assoalho.
A aceleração é de grudar o corpo no banco impressiona, assim como a pouca rolagem da carroceria na pista de slalom montada em uma pista de aeroporto.
Não são características incomuns a elétricos deste porte, mas perceber que boa parte da força está vindo da traseira faz alguma diferença. E isso certamente deve ser ainda mais notável ao volante.
Um Mustang caro
A gama de versões do Mustang Mach-E será definida de acordo com o mercado onde será vendido, mas serão formadas pelas combinações possíveis entre os dois conjuntos de baterias, duas opções de tração e quatro níveis de potência diferentes (258, 285, 337 e 465 cv).
Nos Estados Unidos, a versão de entrada, Select com motor traseiro e a menor bateria, partirá dos 43.895 dólares. Beira os 44.000 dólares pedidos pelo Mustang GT Premium com motor V8 5.0 e câmbio de 10 marchas, como o vendido no Brasil por R$ 315.900.
Outro valor informado é o da série First Edition, que marcará a chegada do Mach-E às ruas: 59.990 dólares.
Mas a versão de entrada Select e as GT só começarão a ser entregues no segundo trimestre e no segundo semestre de 2021, respectivamente. Contudo, as encomendas de todas elas já podem ser feitas com um sinal de 500 dólares.
O Mach-E será produzido no México, o que facilitará sua comercialização no Brasil. De acordo com fontes, o elétrico está nos planos do Brasil, mas deve demorar alguns anos para chegar. Primeiro, é fundamental cumprir a entrega das primeiras encomendas.
A Ford confia em sua experiência com a fabricação de automóveis em série e acredita que será capaz de produzir e entregar os Mach-E a seus compradores no tempo prometido. Nesse sentido, a Tesla passa longe de ser inspiração.