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Folga da direção

Não há idade certa, o bom senso manda pendurar as chaves quando a habilidade falha e as infrações aparecem

Por Luís Perez / imagem: Marco de Bari
Atualizado em 9 nov 2016, 12h21 - Publicado em 8 abr 2013, 18h24
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    No filme Conduzindo Miss Daisy (1989), a idosa rica interpretada por Jessica Tandy invade com seu Packard novinho o premiado jardim do vizinho, o que motiva seu filho a convencê-la a contratar um motorista, imortalizado por Morgan Freeman. Na vida real, é duro admitir, mas também há a hora de parar em função da idade – e muitas vezes a iniciativa não vem do motorista, mas de alguém da família.

    Antes de pensar em intimar alguém a deixar de dirigir, é importante saber que não há idade limite a partir da qual se recomenda que não se assuma mais o volante de um automóvel. Assim como um senhor de 60 anos pode ser considerado totalmente inapto para conduzir um veículo, alguém com mais de 80 anos pode estar em perfeitas condições físicas para a mesma tarefa. “A fisiologia humana é muito heterogênea. Enquanto uma pessoa tem condições de dirigir até os 90 anos, outros começam a ter muita dificuldade a partir dos 60”, afirma Luiz Fonseca, instrutor de direção defensiva. “A gente percebe que existe uma análise de competência física que vai muito além da idade avançada. Sabe-se que, a partir dos 60 anos, começa a haver prejuízos cognitivos relacionados a tempo de resposta, atenção e concentração do motorista”, explica a neuropsicóloga Claudia Gracindo, da Clínica Escola Cecília Bellina.

    Obviamente, quem pretende conduzir um automóvel tem de estar com a visão em ordem. Mas é preciso ir além – manter a atenção, a concentração e a capacidade de tomar decisões rapidamente. Um estudo recente realizado pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP demonstrou que motoristas com idade a partir de 60 anos têm ao volante um tempo de reação 39,6% mais lento que o de adultos jovens. Na simulação de um percurso, os idosos também levaram em média 7% a mais de tempo que os mais jovens.

    Porém não se deve atribuir o resultado só a reflexos mais lentos, que atrasam o tempo de reação ao volante. “As pessoas tendem a ficar mais cuidadosas e a dirigir de forma mais lenta com o passar dos anos”, diz Angélica Castilho, fisioterapeuta do Instituto de Ortopedia e Traumatologia do HC. A idade média dos motoristas avaliados era de 74,3 anos para homens e 69,4 para mulheres. Eles dirigem em média há 48,5 anos e elas há 40,6. Apesar do tempo de reação maior, 97% dos participantes do estudo não se envolveram em acidentes nos cinco anos anteriores nem haviam multados no último ano.

    Semáforo dá sinal

    Por isso é imprescindível distinguir entre excesso de zelo e falta de habilidade. Este último atributo tem seus sintomas bem claros, segundo Claudia Gracindo. Além de andar devagar demais, faltam ao motorista condições de alinhar o carro à faixa de rolamento e, por falta de memória ou tempo de reação, ele começa a infringir regras de trânsito. É nessa hora, em que coordenação motora, percepção visual e rapidez de reação deixam a desejar, que a coisa começa a ficar perigosa.

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    Delicada, a hora de pendurar as chaves em geral envolve toda a família. Além da perda de autonomia em si, o lado simbólico de “passar a depender dos outros” pesa a ponto de acarretar outros problemas. “Aconteceu na minha família. Quando soube que não poderia mais dirigir, meu avô entrou em uma fase depressiva. Foi uma decisão dos filhos. Mas ele não respeitava mais as regras de trânsito, não tinha rapidez de raciocínio para dirigir”, conta a psicóloga. “Cabe aos familiares e amigos abordar esse assunto importante e delicado com o motorista idoso, usando tato e paciência, já que leva algum tempo para ser amadurecido”, afirma Fonseca.

    Um dos exemplos clássicos é passar no sinal vermelho por achar que, ao avistar o amarelo, “dava tempo”. Entra aí outro agravante: as consequências e a recuperação de um idoso em caso de acidente são muito mais problemáticas. Nessa questão médica, entra outro porém que independe da idade: o uso de medicamentos – que é tão comum em motoristas dessa idade – que possam causar sonolência ou déficit de atenção. Simplesmente não se deve pegar o volante nesses casos.

    Sábio é quem, com a ajuda de terceiros ou não, consegue reconhecer seus limites e saber a hora de parar. Nem sempre essa aposentadoria ocorre de forma traumática, como foi o caso do avô da psicóloga. A professora Maria Elisa Alves, 72 anos, por exemplo, resolveu pendurar as chaves 13 anos atrás porque já achava mais fácil ter alguém que pudesse levá-la para cima e para baixo. “Era mais cômodo para mim”, diz ela. Assim como Miss Daisy, Maria Elisa parou porque tinha quem dirigisse para ela – no caso o filho, José Alexandre Alves Teixeira.

    Encontrar motoristas idosos será certamente cada vez mais frequente nos próximos anos. Há cerca de duas décadas, quando começou o atendimento na clínica, Claudia recebia clientes que tinham dúvidas sobre sua capacidade de dirigir situados na faixa entre 30 e 45 anos. Hoje o perfil de quem procura atendimento mudou: geralmente passa dos 45 anos, podendo ultrapassar os 60 ou 70. “Chegamos a atender pessoas de 83 anos. Claro que aparecem casos em que não há condições de dirigir. Mas há aqueles que fazem a gente dizer: ‘Puxa, quero ser assim quando crescer’.” Maria Elisa é um exemplo disso. Tanto é que agora que está trabalhando em duas escolas diferentes ela se animou e voltou a ter aulas de direção. “Por que não? Já percebi que ainda estou em boas condições para voltar a dirigir.”

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    IMPEDIMENTO

    A partir de 65 anos, a habilitação é renovada a cada três anos, não mais a cada cinco. os testes são os mesmos, o que inclui um exame médico, um psicotécnico e uma prova de conhecimentos. Segundo especialistas, eles raramente identificam motoristas que perderam sua plena capacidade de dirigir.

    SOB NOVA DIREÇÃO Quando parar

    Os motoristas reclamam que você está lento ou não se mantém na faixa? Talvez raciocínio e reflexos estejam mais vagarosos que no passado.

    Outro indício forte é furar o sinal vermelho com frequência por achar que dá para passar no amarelo.

    Uma crescente dificuldade de dirigir à noite pode estar associada à perda da acuidade visual, que nem sempre pode ser corrigida com o uso de óculos.

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    O número de multas aumentou nos últimos anos? Isso pode revelar uma desatenção maior a placas
de trânsito que indicam limite de velocidade ou conversões proibidas.

    Freadas bruscas podem estar associadas à lentidão de resposta, seja para ler uma placa, seja para identificar um semáforo vermelho ou reagir ao carro da frente que parou.

    Quando falar

    Quase sempre, a iniciativa de tocar no assunto parte da família e dos amigos. Isso deve ser feito com o maior número de pessoas presentes, para mostrar que a impossbilidade de dirigir com segurança não se trata da opinião de uma pessoa, mas sim de um consenso.

    A abordagem deve ser feita com tato, pois lidará com um aspecto importante da autoestima, já que dirigir integra a pessoa à sociedade e dá grande liberdade de locomoção.

    Experimente acompanhar o motorista idoso ao volante para poder apontar as situações de risco a que ele está exposto durante o percurso.

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