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Estudantes brasileiros superam roubo e criam carro a hidrogênio pioneiro

Mesmo com tecnologia roubada às vésperas de competição pioneira, alunos da Unicamp fazem história e constroem próprio carro a hidrogênio

Por Eduardo Passos
Atualizado em 26 set 2022, 10h57 - Publicado em 23 set 2022, 17h20
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  • Em uma sexta-feira de julho, um grupo de estudantes da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) estava orgulhoso do seu esforço: pela primeira vez, os universitários participariam da competição que consiste em criar um carro movido a hidrogênio, e o grande evento que poderia consagrá-los ocorreria dentro de alguns dias, em Piracicaba (SP).

    “A gente foi embora [da Unicamp] na sexta levando alguns componentes para casa ”, explica Luiz Henrique Gonçalves, diretor de projetos do time. “Na saída, paramos em um posto de gasolina para comprar um lanche e estouraram o vidro do nosso carro”.

    O prejuízo material, por si, seria uma dor de cabeça no fim de semana de seus donos. Mas era pior do que parece: entre os objetos levados pelos bandidos havia tecnologia inédita e peças essenciais para que anos de trabalho tivessem seu ápice.

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    Horas antes da competição, Luiz teve seu carro roubado: “levaram as baterias e computadores com conteúdo crucial e sem backup”, explica Luiz Henrique Gonçalves (Eduardo Passos/Quatro Rodas)

    Da noite de sexta-feira ao domingo, foram 48 horas de trabalho ininterrupto da equipe Unicamp Baja SAE para contornar o roubo. O final feliz, entretanto, foi além do esperado, e incluiu um surpreendente ineditismo global.

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    Abrindo caminho

    O desenvolvimento de carros movidos a hidrogênio é algo tão avançado que, mesmo entre as grandes fabricantes automotivas, há divergência sobre o caminho a ser adotado. Enquanto a Nissan do Brasil aposta na complexa reforma a vapor, a Toyota está mais avançada no uso da célula a hidrogênio na propulsão de carros (FCEVs) como o Mirai; primeiro veículo do tipo de a ser vendido em série.

    Cilindro pressurizado (amarelo) alimenta a célula de hidrogênio (azul). Toda a interação entre as partes foi criada pelos estudantes
    Cilindro pressurizado (amarelo) alimenta a célula de hidrogênio (azul). Toda a interação entre as partes foi criada pelos estudantes (Unicamp Baja SAE/Divulgação)

    Em linhas gerais, os FCEVs trazem um reservatório de gás hidrogênio no lugar do tanque. Na célula de combustível, processos químicos conseguem extrair os elétrons do gás H2, gerando a corrente que alimenta um motor elétrico. Em seguida, o hidrogênio com carga positiva se junta a moléculas de oxigênio, eliminando apenas água pelo escapamento.

    A Sociedade de Engenheiros de Mobilidade (SAE Brasil) se juntou à empresa canadense Ballard e criou uma nova competição para estudantes de ensino superior, largando a “bomba” de desenvolver um automóvel movido por H2 na mão de universitários de todo o Brasil.

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    Baja SAE Unicamp-7
    Pós-competição, modelo premiado está passando por melhorias: “vamos colocar baterias de íons de lítio” (Eduardo Passos/Quatro Rodas)

    A equipe da Unicamp adotou uma estratégia pragmática: como já tinha um baja a combustão, o time decidiu aproveitar a sua parte mecânica, focando o esforço de criação em mover as rodas através do elemento fundamental do Universo.

    Receita ingrata

    Não bastasse a complexidade das células, ainda há grandes desafios que envolvem produção e armazenamento do hidrogênio (processo caro e consumidor de muita energia). Além disso, sincronizar tanta tecnologia ao redor de um veículo é uma tarefa exigente até para centros de pesquisa global — quanto mais para estudantes que têm à disposição uma pequena oficina no campus da Universidade.

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    Carro consome meros 73 gramas de hidrogênio para cerca de 15 km (Unicamp Baja SAE/Divulgação)
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    “É preciso levar em conta os parâmetros elétricos da célula, o quanto de energia seu motor consegue converter em movimento e as perdas de rendimento”, explica Luiz. A equipe começou a desenvolver o conhecimento autoral ainda em 2020; desde então, criou códigos de computador que controlam, nos melhores níveis possíveis, parâmetros que incluem temperatura, fluxo e pressão da célula de hidrogênio.

    Se tratando de um gás extremamente leve e de molécula pequena, o time também precisou criar um sistema que aguentasse a pressurização necessária e adaptar mangueiras que vedassem vazamentos — fáceis de ocorrer e de alto risco. “O nosso destaque está na junção dessas ‘peças de Lego’. Conseguimos integrar todas essas aplicações e trazer isso ao veículo de competição sem perder a performance”, diz o diretor.

    Corrida contra o tempo

    Concretizar um projeto de alta tecnologia é especialmente difícil no Brasil, e o empurrão do Júpiter (nome dado ao carro em homenagem ao planeta gasoso) ocorreu graças a uma vaquinha online, que arrecadou R$ 25.000 em 2020. Os alunos conseguiram um montante “bem menor” que veio da faculdade de engenharia mecânica da Unicamp, que também forneceu apoio técnico via professores e, através de exposição na carroceria, ainda obtiveram mais um pouco de dinheiro e prestação de serviços de empresas diversas.

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    Na oficina, parte da equipe relembra quando o motor elétrico do carro queimou durante testes. Foi necessário contar com a boa vontade da fornecedora, que cedeu outra unidade ao time (Eduardo Passos/Quatro Rodas)
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    Já as companhias parceiras da competição forneceram equipamentos com no máximo algum manual de instruções. A célula de combustível, por exemplo, veio da Ballard, mas sua função original é semelhante a de um gerador estático a diesel. A conversão para uso em um carro foi idealizada pelos estudantes.

    Para garantir um funcionamento mais estável, a célula não alimenta diretamente o motor elétrico de 6 cv (limitados por questão de segurança). Um conjunto de baterias cedido pela norte-americana Clarios serve como um “tampão”, que consegue inteirar a energia em momentos de mais demanda. Esse conjunto de baterias foi levado no crime do posto de gasolina, assim como os notebooks de colegas, que continham a “receita” que alinharia o funcionamento do carro na competição.

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    Baja da Unicamp tem tração traseira, frenagem regenerativa e máxima limitada eletronicamente a 20 km/h (Unicamp Baja SAE/Divulgação)

    Imediatamente, parte dos estudantes tratou de vasculhar HDs e backups em busca de um milagre. Ele não veio: o código não estava salvo, e encontraram somente sua versão anterior, com muito menos eficiência. Enquanto a turma da computação recorria à memória para atualizá-lo, outros alunos saíram atrás de novas baterias, canibalizadas de uma scooter de um conhecido na capital paulista.

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    Com choro e ranger de dentes: vitória inédita e à brasileira
    Com choro e ansiedade: vitória inédita e à brasileira (Unicamp Baja SAE/Divulgação)

    O carro com vidro quebrado ficara em segundo plano: o sábado de trabalho ininterrupto ainda envolveu soldar uma nova fixação das células de energia e garantir que tudo estava nos conformes. A minutos da prova final, no final de semana de 13 de agosto, os alunos ajustavam as novas peças e comandos; sensibilizada, a organização da prova cedeu-lhes tempo extra para o conserto.

    Próximos passos da equipe de 60 pessoas incluem aperfeiçoar a tecnologia do modelo
    Próximos passos da equipe de 60 pessoas incluem aperfeiçoar a tecnologia do modelo (Unicamp Baja SAE/Divulgação)

    Se, pouco tempo antes, o baja da Unicamp estava fadado à tragédia, o resultado não podia ter sido melhor. O veículo de Campinas ficou em 1º lugar, conquistando a primeira edição do concurso. Além disso, foi o único a conseguir se locomover de fato: pela primeira vez na história um veículo a hidrogênio produzido por universitários rodava. Bem à brasileira, com dedicação e dificuldades inesperadas sobretudo.

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