Nem bem se passaram 15 dias depois do nascimento da filha e a paulistana Maria Aparecida de Oliveira, dona de um desmanche especializado em Opala, na zona leste de São Paulo, reassumiu seu posto.
“O médico pediu que eu respeitasse a quarentena, mas não consegui resistir e ficar em casa”, afirma.
Assim que termina de amamentar a caçula recém-nascida, ela beija seus outros quatro filhos e assume a personagem da “Loira do Opala” ao sair de casa para trabalhar.
Entre outros motivos, alegou saudade de seu “sexto filho”: um Opala 1985, apelidado de Hello Kitty, que carrega no encosto dos bancos a inscrição “Loira”, cuidadosamente bordada, e que recebeu o investimento de 30 000 reais em cinco anos de restauração.
“Como sou do ramo, pego peças de outros modelos para instalar nele. Deve ter partes de uns dez Opala”, afirma. Para preservar o veículo de desgastes e possíveis acidentes, ela pouco o tira da proteção da garagem.
“Saio em ocasiões especiais e ando a uns 500 metros dos demais carros”, afirma Loira, que usa um Ford Ka no dia a dia.
Ela domina a arte de diagnosticar defeitos mecânicos e não hesita na hora de se enfiar por baixo da tampa de um motor. Essa habilidade, antes atribuída ao público masculino, está deixando de ser uma exceção ao senso comum.
E isso ficou mais claro em uma pesquisa da empresa de autopeças britânica Unipart Automotive, que concluiu que os homens não entendem mais de automóveis que as mulheres.
O estudo aponta, por exemplo, que 19% dos homens entrevistados nem sequer sabem como e onde se abre um capô.
Como Loira, outras mulheres têm histórias de vida ligadas a carros. Podem ser os antigos ou os mais potentes, como o Ford Maverick 1975 com motor V8 que Carolina Testte, 28 anos, comprou assim que fez 18 anos.
“Fui chamada de maluca por não escolher um novo, mas os V8 me encantam pela sua história. Isso vale muito mais que qualquer carro zero-quilômetro”, diz Carolina, que foi influenciada pelo pai.
“Ele trabalhava em montadora, tinha uma oficina mecânica e me levava em diversos encontros.” Os anos que trabalhou na oficina da família a levaram a escolher seu atual emprego: desenhista de peças mecânicas.
Professora, Nidia Saraiva é outra que foi conquistada pelo modelo americano.
É a única mulher do Clube do Maverick e costuma surpreender os colegas com detalhes sobre a marca. O carro 1976 bege está na família desde zero-quilômetro.
“O carro era do meu pai e passou para mim. Eu o considero como um irmão mais novo e o chamo de Romeu,” diz Nidia, que inclui em sua programação preferida o garimpo de peças em desmanches de São Paulo.
Quando o tema passa para clássicos, a paulistana Paula Cardillo é um exemplo de que não existem limites para essa paixão. Veste-se no estilo pin-up, que valoriza os anos 40 e 50, com roupas vintage.
Sua família só anda de carro antigo, assim como ela, que usa um Opala 1990, deixando para os fins de semana seu impecável Galaxie 1967, que chama de Branco. “O Galaxie me levou para minha festa de 15 anos e, desde então, não desgrudei mais dele,” diz Paula, integrante do Clube do Galaxie.
Ela o leva todos os domingos aos encontros de antigos e toda quarta-feira ao encontro do ginásio Poliesportivo de São Bernardo do Campo.
Estilo off-road
Há mulheres que extrapolam o asfalto para se aventurar em pistas mais irregulares. A piloto profissional Juliana Castelhano, 29 anos, participa dessas competições desde os 16 anos, quando ganhou um Jeep Willys 1976.
“Sempre fui apaixonada por jipes e participar de ralis foi só uma consequência”, afirma Juliana, que é a única mulher em um grupo quecostuma enfrentar a lama ao volante nos fins de semana.
Ela não tira o corpo fora na hora em que o carro atola e conhece os macetes para sair do enrosco, já que sua dedicação transformou o hobby em profissão. Desde 2007 trabalha em eventos de montadoras como instrutora de test-drive.
“Sou a única mulher na equipe de instrutores”, diz Juliana, queroda por aí com um jipe, claro, um Troller 2003.
Em Tatuí, interior de São Paulo, o mais perto da cozinha que mãe e filha chegam é quando almoçam no refeitório do Campo de Provas da Ford. Ambas conduzem os testes de pista em caminhões e automóveis da marca.
A mãe, Ângela Cristina Cândido, 42 anos, começou como piloto há sete, e aprendeu a dirigir caminhão com o ex-marido, caminhoneiro. “Não pensava em ser piloto, mas depois que entrei aqui percebi que nunca mais poderia fazer outra coisa na vida”, diz.
Toda essa dedicação apaixonada de Ângela influenciou a filha, Bruna, 24 anos, que aos 14 já sabia dirigir carro e caminhão e com 22 ingressou na Ford como piloto de testes profissional.
“Quando me veem descendo da boleia, as pessoas ficam surpresas, pois não esperam ver uma mulher no comando de um pesado”, diz Bruna, que adora seu trabalho. “Se pudesse, só andaria de caminhão. É sempre uma sensação maravilhosa.”