Como Fiat, Volkswagen e Ford deixaram seus compactos mais caros
Fabricantes recorrem a maquiagem, novas versões e câmbio automático para dar ar de novidade a carros nem tão novos assim
Entre sedãs e hatches, compactos respondem por pouco mais de 60% das vendas de automóveis no Brasil. São os carros mais baratos, com maior número de versões e inseridos em segmentos com vários concorrentes.
Mas muitas vezes os grandes rivais convivem nas mesmas concessionárias.
Na Fiat, a faixa de preço entre os R$ 30.000 e os R$ 60.000 é ocupada por Mobi, Uno e Argo. Na Volkswagen, por sua vez, há Gol, Up!, Fox e Polo. A Ford divide suas atenções entre o Ka e o Fiesta.
O problema está em estabelecer a faixa de preço de cada modelo sem que exista canibalização, ou seja, que eles disputem os mesmos clientes. Nessas horas, vale até mesmo usar o método da tentativa e erro.
Fiat – nem mais, nem menos
A Fiat nunca havia tido problema para vender compactos. Até quatro anos atrás, suas concessionárias vendiam, ao mesmo tempo, duas gerações do Uno, duas gerações do Palio, Punto e Idea.
Os seis carros se transformaram em três: Mobi, Uno e Argo. A gama enxuta, porém, não ajudou a definir o posicionamento de cada um.
O Fiat Mobi vai bem como carro de entrada, mas sua gama de versões passou por duas mudanças desde o lançamento, em abril de 2016.
Primeiro perdeu as versões Easy On, Like On e Way On, substituídas por pacotes de opcionais nas versões Easy, Like e Way. Recentemente, na linha 2019, o básico Mobi Easy ficou mais barato (baixou R$ 2.100, para R$ 32.590) e surgiu a versão Easy Comfort, com ar-condicionado (que não existia para o Easy), por R$ 35.690.
No outro extremo está o Mobi Drive. Além de ter opcionais exclusivos, troca o motor 1.0 Fire quatro cilindros pelo tricilindrico 1.0 Firefly, mais potente e eficiente. Mas custa R$ 43.590 – mais caro que um Uno, que lhe emprestou a plataforma.
O Uno Attractive relançado em maio por R$ 42.990 usa o motor Fire. A outra versão é a Drive com motor 1.0 três cilindros e uma lista de opcionais maior, por R$ 44.820. E só.
Vale voltar no tempo: meses depois do lançamento do Mobi, no final de 2016, o Uno foi responsável por estrear os novos motores 1.0 e 1.3 Firefly em todas as suas versões, que também ficaram mais completas. Foi uma ousadia que não durou muito.
Após o lançamento do Fiat Argo os Uno Sporting e Way não faziam mais sentido. Mesmo hoje a diferença do Uno Drive para o Argo 1.0 é de R$ 170, menos que o tanque cheio de gasolina.
O Argo 1.0 custa R$ 44.990 e sua lista de equipamentos opcionais se limita a um simples rádio e a lavador e limpador traseiros.
Enquanto isso um Uno Drive completo pode ter até controle de estabilidade e monitor de pressão dos pneus. Difícil é pagar R$ 52.770 por ele quando o Argo Drive 1.3 custa R$ 53.990 – e passa a R$ 55.490 com controle de estabilidade e start-stop.
Será que o Uno está sobrando?
Ford – troca pouco inocente
Ka e Fiesta sempre estiveram muito próximos. O primeiro Ka era baseado na quarta geração do Fiesta (a primeira fabricada no Brasil). O Ka atual, por sua vez, usa a mesma plataforma do Fiesta que está em linha.
Parecia fácil: o Ka ocuparia o posto de carro de entrada com motores 1.0 e 1.5 e o Fiesta, com motor 1.6 ou 1.0 turbo, com opção de automatizado de dupla embreagem, assumiria um posicionamento mais premium.
O Ka vai tão bem como carro de entrada que as versões mais vendidas do hatch são, de longe, as 1.0: 89,2% das vendas do hatch no primeiro semestre. Para o sedã, 35,6%. Mas a culpa do Ka 1.5 vender pouco não é do Fiesta, que foi reestilizado no final de 2017.
Nos seis primeiros meses de 2018 o Fiesta teve 10.455 unidades, pouco mais do que o Ka vendeu por mês no mesmo período. É tão pouco que ficou atrás do Chevrolet Cruze. Isso o hatch, porque o sedã teve 1.420 emplacamentos na primeira metade do ano – contra 1.666 do Toyota Prius.
A Ford tinha duas opções: recriar as versões de entrada do Fiesta com motor 1.5 Sigma, abandonadas em 2016, ou equipar o Ka para tirar dele o aspecto de carro de entrada. Optou pelo segundo caminho.
Agora o Ka tem versões com central multimídia, airbags laterais e de cortina (totalizando seis), câmera de ré, partida sem chave e até bancos de couro. Ficaram muito próximos dos Fiesta mais caros. E o Ka 1.5 está mais potente e tem câmbio automático convencional (com conversor de torque), cada vez mais importante entre os compactos.
O moderno três cilindros 1.5 Ti-VCT, lançado pelo EcoSport, não foi para o Fiesta mas foi para o Ka. Saltou de 110/105 cv e 15/14,9 mkgf no 1.5 Sigma de quatro cilindros para 136/128 cv e 16,1/15,6 mkgf. E pode ser combinado ao mesmo câmbio automático de seis marchas do EcoSport.
Hoje o Fiesta é vendido com os 1.6 16V de 128/125 cv e 16/15,8 mkgf ou o 1.0 12V Turbo com injeção direta de 125 cv e 17,3 mkgf exclusivo da versão SEL Style. O câmbio automático é sempre o Powershift de dupla embreagem com fama de problemático.
Os preços ficaram próximos, mas a Ford conseguiu evitar o cruzamento de preços. O Ka automático mais barato é o SE, de R$ 56.490. O SE Plus automático passa para R$ 58.990, mais perto dos R$ 62.390 cobrados pelo Fiesta SE Plus 1.6 Powershift, que usa exatamente as mesmas calotas do Ka.
O Ka hatch mais caro é o Titanium 1.5 AT, de R$ 68.990. Já o Fiesta Titanium 1.6 Powershift sai por R$ 71.190 com um airbag a mais (sete), ar-condicionado automático e direção ajustável em profundidade e não apenas em altura.
O que só o futuro poderá dizer é se a Ford quer apenas aumentar as vendas do Ka 1.5 ou está se mexendo para acabar com o Fiesta – hoje, o único Ford feito na unidade se São Bernardo do Campo (SP).
Volkswagen – passado contra o presente
A linha de compactos da Volks já esteve mais embolada. Com alguns ajustes nos preços e cortes de versões, hoje ela pode ser dividida em dois times. O dos projetos antigos, com Fox e Gol, e o dos novos, com Up! e Polo.
Esqueça dimensões e pacote de equipamentos. Os carros com preços mais interessantes da Volkswagen hoje são os velhos.
O Gol passou pela terceira reestilização em 10 anos e perdeu as versões mais caras, como Comfortline e Highline. Restou apenas a Trendline, que com o motor 1.0 três cilindros de 84 cv custa R$ 44.990. Não existe Volks mais barato que ele, pois o Up! perdeu a versão Take, que custava R$ 40.890.
O resultado já apareceu: o Gol voltou a ser o Volkswagen mais vendido do Brasil.
Depois dele vem o completinho Fox, que foi salvo do ostracismo com a versão Connect 1.6. Por R$ 49.990, tem ar-condicionado, direção hidráulica, faróis de neblina, vidros elétricos, rodas de liga leve e até central multimídia.
O custo x benefício é imbatível. Um Gol 1.6 manual não tem metade dos equipamentos do Fox e custa R$ 51.040. Não foi à toa que, mesmo com 15 anos nas costas, esse Fox ficou em décimo no ranking das versões mais vendidas do Brasil no primeiro semestre.
Agora, até o Polo tem versão mais barata que Up!. Isso porque o Polo 1.0 MPI parte dos R$ 50.670 e o Move Up! com motor aspirado está tabelado em salgados R$ 51.290.
Quem sustenta o Up! aspirado é o câmbio automatizado I-Motion, que ainda tem seus adeptos. Mas são as demais versões, com motor 1.0 TSI – que respondem por 65,5% das vendas – que justificam a existência do modelo. O Move Up! TSI parte dos R$ 56.850.
A novidade na linha é o primeiro Gol com câmbio automático convencional da história. Custa R$ 54.580 e tem motor 1.6 16V (120 cv) e câmbio automático de seis marchas. É mais barato que o Polo 1.6 MSI: R$ 57.190 manual e R$ 62.690 com a mesma transmissão.
Agora, cada carro parece ter seu público. O Up! atende quem busca a esportividade e o desempenho do 1.0 TSI. O Gol mira em quem quer um carro barato, seja ele o 1.0 básico ou o 1.6 automático. O comprador do Fox visa um carro equipado barato. Por fim, o Polo atende quem quer um carro moderno e espaçoso.