Clientes usam concièrge dos carros para bater papo e espantar solidão
Além de dicas de restaurantes e serviços de segurança, assistentes de chamada de marcas como BMW, GM e Volvo recebem os mais estranhos pedidos
No filme Ela (Her), do americano Spike Jonze (Quero Ser John Malkovich, Onde Vivem os Monstros), o protagonista se apaixona pela voz (feita pela atriz Scarlett Johansson) do sistema operacional de seu computador, dando início a um romance entre ambos.
Na vida real, porém, conversar com sistemas operacionais não tem a menor graça, porque, além de impessoais, eles têm repertórios muito limitados. Os fabricantes de automóveis sabem disso e, por essa razão, contratam pessoas para os serviços de assistência remota disponibilizados em seus carros.
“Quando o cliente liga, ele sente que existe uma pessoa do outro lado que está preocupada com ele”, diz o gerente de conectividade da BMW, Henrique Miranda, que vê esse tipo de atendimento como um diferencial para conquistar consumidores.
“Hoje, é muito difícil uma marca se diferenciar. Máquina todo mundo tem, mas o lado humano encanta e isso é um valor”, afirma.
As ligações que os atendentes recebem dos motoristas com maior frequência são em busca de informações sobre restaurantes e pontos de interesse nas cidades. Mas existem clientes que fazem todo tipo de pergunta.
Assim como no cinema, já houve usuários que se interessaram pela voz do atendente e iniciaram um flerte. O caso ficou conhecido na central de atendimento da BMW.
No meio da conversa, a motorista (era uma mulher que estava em um grupo de amigas saindo para se divertir à noite) quis informações sobre o funcionário como nome e local de trabalho. Infelizmente, para ela, que estava na Bulgária, e a central da BMW fica em Barcelona, na Espanha. Mas valeu a diversão.
O escritório espanhol da BMW centraliza toda a operação no mundo. Atendentes de várias nacionalidades revezam-se dia e noite para ouvir as chamadas que podem chegar em até 20 idiomas diferentes. Falando português há dois brasileiros e dois portugueses.
Os clientes brasileiros são conhecidos por lá como pessoas que gostam de conversar e um dos assuntos preferidos por nós é o futebol.
Já ligaram para saber se o Palmeiras tem mundial, e um flamenguista pediu para falar com um dos funcionários portugueses para pedir informações sobre o técnico Jorge Jesus, ex-Sporting, na época de malas prontas para chefiar o time da Gávea.
Enquanto eu apurava esta matéria, resolvi testar os conhecimentos do atendente perguntando sobre o meu Santos e ele respondeu comentando o jogo do dia anterior: “Vocês ganharam ontem com gol nos acréscimos”, disse (foi antes da pandemia do coronavírus).
Já teve cliente perdido que ficaria sem gasolina se não tivesse ligado e o funcionário mandasse voltar porque o próximo posto à frente estava distante demais. Mas há os que ligam para pedir informações que o Google daria sem demora, como as cotações das moedas estrangeiras, da arroba do boi e da saca do café arábica.
Pedidos de emprego também não faltam entre os brasileiros: “Tem vaga aí pra mim?” Alguns ligam porque se sentem sós ao volante. Outros porque querem conversar para passar o tempo ou espantar o sono. E um alemão, que foi diretor na BMW do Brasil, ligava todos os dias para praticar seu português.
Segundo Miranda, o serviço de concierge é o mais requisitado dentro do pacote de conectividade da marca no Brasil. Por meio de uma conexão de celular (com chip próprio), o sistema ConnectedDrive permite receber e enviar mensagens, consultar aplicativos de notícias, música e acessar redes sociais.
Mas o concierge é um canal para ajudar o motorista a qualquer hora e em qualquer situação. A palavra “concierge” vem do francês e significa “porteiro”, mas normalmente identifica o profissional que, nos hotéis, é responsável por atender as necessidades básicas e especiais dos hóspedes.
A BMW oferece os serviços de conectividade gratuitamente no Brasil, em 100% de seus carros, desde 2005, e recebe em média 8.000 chamadas por mês, um volume quatro vezes maior que o de países como o México, que tem uma frota de carros BMW duas vezes maior que a nossa.
A marca não é a única que conta com esse tipo de serviço a bordo. A Volvo oferece desde 2019, no Brasil, dentro do sistema Volvo On Call, que, mantendo a tradição da marca, tem seu foco principal na segurança garantido socorro em casos de acidentes, assistência 24 horas e recuperação de veículos roubados.
E a GM tinha concierge em seus carros, por meio do sistema Chevrolet OnStar, lançado no Brasil em 2015, mas, com o tempo, passou a ter apenas os serviços de assistência mecânica e de segurança.
A Volvo cobra R$ 720 reais por ano, pela assinatura do Volvo On Call, e a GM oferece quatro pacotes: básico (grátis), Connect (R$ 59,90/mês), Protect (R$ 69,90/mês) e Connect + Protect (R$ 89,00/mês).
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