Na sempre ordeira e civilizada Suécia, uma onda de furtos vem intrigando a polícia local. Além do mero fato de um dos países mais seguros do mundo estar sofrendo com criminalidade recorrente, as circunstâncias da atividade ilegal tornam tudo mais estranho.
Segundo The New York Times, quase 200 radares foram depredados e parcialmente roubados em regiões rurais suecas desde agosto. Os detalhes e o modo no qual os roubos acontecem, entretanto, sugerem conexões macabras com a guerra na Ucrânia.
O porta-voz da polícia local, Jonas Eronen, explica que os radares são usados na zona rural sueca desde 2006, e há 2.300 pontos para fiscalização de velocidades entre 70 e 90 km/h. Nos últimos 16 anos, volta e meia era registrado algum dano aos instrumentos “principalmente por conta de algum motorista que ficou ‘maluco’ por ter tomado uma multa”, explicou.
Agora, as coisas são bem diferentes: ao invés de pichar a lente da câmera ou simplesmente destruir o radar, o autor do roubo pratica um movimento refinado, no qual somente a câmera é removida e os outros componentes da máquina são deixados intactos.
Os roubos também acontecem em ondas, com padrões que se repetem. Em 27 de agosto, 11 câmeras sumiram entre as cidades de Tierp e Hargshamn. Três dias depois, cerca de 50 radares foram roubados próximos à capital Estocolmo. O mês de setembro foi calmo mas, em outubro, as ações voltaram e, ao todo, já são 160 roubos investigados pelas autoridades do país escandinavo.
De Estocolmo para Kiev
Não é preciso ser especialista em segurança para concluir que, se tantas câmeras do mesmo tipo estão sendo roubadas, há um comprador para esse determinado tipo de produto. Mas é necessário ligar alguns pontos para fortalecer a teoria de que os radares suecos acabam por virar armas de guerra.
Em primeiro lugar, os drones vêm se consolidando como um armamento extremamente eficiente nos combates que ocorrem na Ucrânia. O país invadido até se especializou em reaproveitar drones amadores, utilizando-os para carregar granadas ou pequenas bombas e soltá-las sobre soldados russos entrincheirados.
Silenciosos, os drones utilizam as câmeras para transmitir sua posição ao operador em tempo real, e as imagens de sua operação vêm sendo amplamente divulgadas pelo governo de Volodymyr Zelensky como instrumento de moral. No Twitter do Ministério da Defesa ucraniano, por exemplo, há vídeos quase diários desses ataques, acompanhados de mensagens irônicas pró-Ucrânia.
Com a recente ofensiva dos defensores, a Rússia também ampliou o uso de drones, mas recorrendo a modelos que estão mais para aeromodelos do que os “mini-helicópteros” que amadores utilizam para gravações. Um exemplo notável desse é o drone Orlan-10, que vem sendo largamente utilizado no combate, mas ao lado dos invasores.
Do tamanho aproximado de uma pessoa, o Orlan-10 foi recentemente desmontado por soldados ucranianos, que fizeram uma espécie de engenharia reversa do veículo no YouTube. De cara, chama atenção a garrafa plástica usada como tanque de combustível do motorzinho quatro-tempos de aproximadamente 1 cv, mas é na análise do seu sistema óptico que os elos parecem se fechar.
No desmonte do Orlan-10, é possível notar que a transmissão de imagens ao operador é feito por uma câmera DSLR comum, montada sobre um suporte feito por impressora em 3D. A câmera utiliza uma lente Canon de 85 mm com foco fixado por cola — em arranjo muito semelhante ao usado pelos radares suecos, que também têm foco fixo.
Злые СБУшники спалили бэху https://t.co/H9kchvpmVR #RussianUkrainianWar pic.twitter.com/B7h1Vn49hZ
— Necro Mancer (@666_mancer) October 24, 2022
Não é segredo que a Rússia vem sofrendo com as sanções econômicas impostas pelo Ocidente e, à medida que a guerra se arrasta, a cadeia de suprimentos do exército de Moscou demonstra mais e mais fraquezas.
Tanto a proximidade geográfica de Suécia e Rússia quanto a existência de redes parecidas de contrabando, então, tornaram a conexão entre os incidentes algo óbvio aos suecos, que vêm investigando o caso.
A própria polícia reconhece a informação, mas acrescenta que não pode comentar investigações que estão em curso. Fontes ouvidas pelo The New York Times também não descartam a ação de ladrões locais, ainda que essa hipótese não pareça a mais provável.
Enquanto isso, é nas noites geladas da Escandinávia que seguem ocorrendo mistérios que o dia desconhece. Até que eles sejam solucionados, o prejuízo com o roubo de 160 câmeras já ultrapassa os R$ 19 milhões, na conversão direta.