Carros elétricos odeiam viagens longas; como o Brasil fica nessa situação?
Com distâncias continentais, país começa a investir em pontos que carregam carros elétricos em minutos. Vida real, entretanto, tem seus desafios
Quem hoje percorre os 600 km que separam Belo Horizonte e São Paulo mal pode imaginar, mas completar a viagem em menos de 6h é um luxo se comparado ao passado. Uma das rodovias mais importantes do país, a Fernão Dias é apenas um trecho da BR-381 (que, ao todo, liga a capital paulista ao litoral capixaba) mas ajuda a dimensionar o “continente” chamado Brasil.
Se a história do país envolve uma busca constante por se locomover rápido de fora para dentro do território, os obstáculos parecem não acabar: das antigas bandeiras à duplicação de largas estradas, tudo veio de maneira custosa. Com os carros elétricos não será diferente: a autonomia das baterias será, inevitavelmente, posta à prova pelas distâncias que percorremos em nossas vidas de viajante.
A distância entre a capital paulista e mineira pode passar despercebida quando, por exemplo, a comparamos com qualquer ida a Brasília, situada longe de todas as capitais estaduais exceto Goiânia. Mas os 600 km percorridos são suficientes para, na Europa, ir dos Países Baixos à Polônia, cruzando toda a Alemanha de oeste a leste.
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São poucos os elétricos que tem autonomia para tanto. No Brasil, com base nas novas regras do Inmetro, na verdade nenhum é capaz disso, com o líder BMW iX se limitando aos 528 km com uma única carga. Como fazer então?
Como carregar meu carro elétrico?
Quem acompanha QUATRO RODAS sabe da opinião quase consensual da equipe de que a compra de um carro elétrico deve, necessariamente, ser acompanhada de um wallbox. Esse termo deve se tornar comum em breve no Brasil, e se refere ao pequeno carregador doméstico de corrente alternada (AC) que, por menos de R$ 10.000, é capaz de encher a bateria de um elétrico em algumas horas.
Em uma rotina comum, cabe ao proprietário conectar seu carro ao wallbox quando chega à noite em casa e, no dia seguinte, ter 100% de carga ao partir. Como é raro alguém rodar centenas de quilômetros diariamente, as horas de sono servem apenas para repor o que foi gasto durante o vaivém do trabalho, sem estresse.
Mas e se é hora de viajar? Nesse caso, são necessários os carregadores rápidos, que utilizam corrente contínua (DC). Como esse é o tipo de corrente usada pelos automóveis elétricos, a etapa interna de conversão não é necessária, sendo possível carregar em velocidades bem maiores. Se conectados a um carregador DC, grande parte dos modelos à venda no Brasil podem ir de 10% a 80% de carga em questão de minutos; os 20% restantes sempre serão mais lentos, a fim de preservar a integridade das células da bateria.
São os carregadores DC os grandes responsáveis por eletrificar um país além dos centros urbanos. Tanto que, nos Estados Unidos, ainda que já existam cerca de 28.000 pontos do tipo, a Casa Branca anunciou há algumas semanas cerca de US$ 1 bilhão em investimentos, a fim de instalar mais algumas dezenas de milhares de carregadores principalmente em estados menores. Isso porque enquanto a Califórnia têm 8.535 carregadores DC, Idaho e Alaska oferecem 84 e 35 respectivamente.
E no Brasil?
Não é surpresa que o Brasil enfrente problemas parecidos com os dos EUA, potencializados pela situação econômica de um país emergente. Com pouco investimento governamental até agora, a malha de carregamento brasileira vem crescendo por meio de iniciativas isoladas.
Até o final do ano passado, era praticamente impossível ir em um carro elétrico de BH a São Paulo; as alternativas envolviam sair da BR-381 e carregar dentro de alguma cidade como Santa Rita do Sapucaí (MG), ou esperar horas carregando em dois carregadores AC instalados ao longo da estrada.
A Volvo, então, tomou a dianteira e decidiu instalar dois pontos DC ao longo da Fernão Dias, um em São Gonçalo do Sapucaí (MG) e outro em Perdões (MG). Além da sueca, marcas como Porsche, Renault, BYD e Audi também vêm oferecendo pontos ao redor do país, sempre com o óbvio interesse de afirmar ao cliente que sim, a região em que ele costuma rodar oferece o suporte adequado para um carro a baterias.
QUATRO RODAS optou por testar o novo “corredor elétrico”, inclusive utilizando um Volvo C40 que, com a recente dedução de 30% no alcance, tem autonomia declarada de 247 km. O resultado foi bom, mas poderia ser ainda melhor.
A viagem
Como o Inmetro agora se baliza no pior dos cenários — de um motorista bem gastão — para estimar o alcance, já se esperava que os 275 km entre São Paulo e São Gonçalo do Sapucaí (MG) fossem feitos com certa gordura. Em uma qualidade do C40, o comportamento das baterias surpreendeu e, na estrada, o consumo não foi bem maior do que é na cidade, como normalmente acontece.
Com poucos carregadores à disposição e longas distâncias para percorrer, os motoristas brasileiros devem experimentar como poucos um fenômeno conhecido como range anxiety (ansiedade de alcance, na tradução livre), que se refere à inevitável tensão de achar que não haverá carga suficiente para o carro chegar até o destino.
É um incômodo tão intrínseco aos EVs que ele ganhou nome ainda em 1997, quando a General Motors testava junto a seus clientes o EV1, tataravô dos elétricos atuais. Ao longo dos anos, a ansiedade “bateu” em todos os países que iniciaram a eletrificação da frota: Noruega, China, Estados Unidos e por aí vai.
Para amenizá-la, sugere a Associação Americana do Automóvel, só mesmo comprando um carro elétrico e apurando o feeling para essas situações. Mas o planejamento também ajuda, e aplicativos como PlugShare e A Better Route Planner (ABRP) já são úteis no Brasil.
Disponíveis nas lojas de apps para Android e iPhone, eles tanto indicam onde há pontos de carregamento (e a potência de recarga) como são capazes de estimar a porcentagem de bateria ao fim de cada perna. A Volvo é uma das que “evoluiu” essa tática e, no próprio Google Maps embarcado, há uma estimativa ainda mais precisa disso.
Ainda que a primeira parada devesse ocorrer com 21% de carga restante, chegamos ao destino com 24%, e logo o C40 foi plugado ao carregador DC, cuja entrada é compatível com todos os elétricos à venda no Brasil exceto o Nissan Leaf.
Logo de cara, entretanto, a dura realidade: ainda que a potência anunciada fosse de 150 kW — capaz de levar o C40 dos 10% aos 80% em 28 minutos —, o ponto instalado pela Volvo funcionava apenas a cerca de 50 kW. Em nota, a Volvo explicou que aguarda um pedido de demanda adicional junto à concessionária de energia da região e que, uma vez aprovado, haverá potência plena disponível gratuitamente.
Nesse caso, a solução foi utilizar o PlugShare e descobrir que 127 km adiante, em Perdões (MG), o outro ponto da marca funcionava bem. Desse modo, foram gastos 48 minutos para levar o C40 dos 21% aos 71%.
Na segunda parada a situação de fato era melhor, mas ainda abaixo do esperado. Os eletropostos da Volvo têm um par de conectores DC que, em caso de dois carros conectados, dá 90 kW para o que chegou primeiro e 60 kW para o outro. O nosso carro carregou sozinho o tempo inteiro mas, mesmo assim, a potência jamais excedeu os 90 kW — uma falha que a marca disse desconhecer.
No fim das contas, foram mais 26 minutos para levar a bateria de 33% a 72% e seguir rumo a Belo Horizonte, onde chegamos com 17%. Sempre sem economizar na aceleração e no uso do ar-condicionado.
Ao todo, foi gasto 1h14 nas duas paradas, resultado acima do esperado. Nesse meio tempo, a saída é aproveitar para ir ao banheiro, fazer um lanche e adiantar a vida. Não é à toa que, em mercados mais desenvolvidos, os eletropostos vêm junto a pontos de conveniência e até coworkings.
Como em outras tecnologias disruptivas, é natural que as primeiras experiências na vida real apresentem problemas inesperados, que tendem a ser corrigidos com o passar do tempo. No caso dos eletropostos brasileiros, o principal deles parece ser oferecer uma potência próxima da nominal. No exterior, a dor de cabeça da vez é reduzir as filas em cada ponto.
Em janeiro de 1959, a Folha de S. Paulo noticiava a presença do presidente Juscelino Kubistchek no sul de Minas, a fim de inaugurar a então BR-55, que evoluiria na Fernão Dias que conhecemos. À época, a ideia era reduzir as cerca de 20h que se levava para circular de carro entre as duas capitais, ligadas por péssimas estradas de terra.
A busca pela diminuição de tempo é cíclica, se repetindo em diferentes modos. Mas, sem dúvidas, a solução para os carros elétricos parece bem próxima, sendo questão de pouco tempo para que viajar, ao menos no Sudeste, a bordo de um carro elétrico tenha tempos de parada quase iguais aos de um carro a combustão.