Black Friday: Assine a partir de 1,49/semana

Democrata: a história do carro esportivo nacional que virou ficção

A tortuosa trajetória do Democrata, aquele que seria o mais avançado carro nacional de sua época

Por Sérgio Ruiz Luz
Atualizado em 17 jul 2022, 10h41 - Publicado em 7 abr 2016, 20h26

Democrata

* Reportagem originalmente publicada em dezembro de 2006

Antigomobilista da cidade de Passo Fundo (RS), o empresário Rogério Azambuja acaba de ressuscitar um modelo nacional raríssimo. Ele marcou história nos anos 60 não apenas pelo design, inspirado no Chevrolet Corvair americano.

O Democrata, nome de batismo do veículo, surgiu a partir da ambiciosa idéia do empresário Nelson Fernandes de produzir um automóvel de luxo com capital e projeto brasileiros, além de preço bastante competitivo.

Com promessas como a de fabricar 350 veículos por dia, o mesmo que a Volkswagen, líder do mercado na época, Fernandes conseguiu atrair quase 90 000 investidores para o projeto e chegou a montar cinco protótipos completos do veículo. Só que a história não teve final feliz.

Muitos consideraram seus planos megalomaníacos e sua empresa sofreu devassas do Banco Central e da Polícia Federal. Até uma Comissão Parlamentar de Inquérito foi instalada em Brasília para investigar a questão.

Fustigado pelas autoridades e pela imprensa (QUATRO RODAS publicou várias matérias denunciando que a empresa não tinha sequer livros de contabilidade), Fernandes foi à lona, antes de iniciar a produção em série.

Continua após a publicidade

Democrata

Nelson Fernandes foi uma espécie de Preston Tucker brasileiro. A exemplo do americano que lançou em 1948 o Tucker, um carro revolucionário para competir com as três montadoras gigantes dos Estados Unidos (GM, Ford e Chrysler), as idéias ambiciosas de Fernandes causaram um grande alvoroço na indústria brasileira de automóveis na década de 60.

Idealistas e polêmicos, Tucker e Fernandes provocaram um enorme barulho, mas faliram antes de realizar seus respectivos sonhos.

A idéia de Fernandes era mesmo para lá de ambiciosa. Depois de registrar em 1963 sua empresa, a qual batizou como Indústria Brasileira de Automóveis Presidente (Ibap), resolveu apostar alto, investindo no lançamento de um carrão para competir diretamente com modelos luxuosos como o Simca Chambord.

Um protótipo de quatro portas foi apresentado. “Cometi o erro de colocar nele um motor do Corvair americano provisório enquanto o definitivo era preparado”, diz o empresário, ciente dos rumores que a substituição causou.

Continua após a publicidade

Democrata

Ele conta que também planejava um carro popular, que seria o principal produto da Ibap, e um utilitário. O Democrata definitivo tinha carroceria cupê de fibra de vidro (outra ousadia), suspensão independente nas quatro rodas e um motor italiano de seis cilindros instalado na traseira (era o único item importado do projeto) com transmissão acoplada ao bloco.

O acabamento do interior do veículo era caprichado, com painel de jacarandá, volante esportivo e bancos reclináveis de couro.

Os cinco protótipos do Democrata eram levados em carretas para exibição em vários lugares do país. As viagens visavam divulgar o projeto e atrair investidores para iniciar a produção em série do automóvel. Estes teriam direito a dividendos da Ibap, prioridade na aquisição do Democrata e desconto na compra do modelo.

Uma fábrica de 300 000 metros quadrados foi erguida em São Bernardo do Campo, no ABC paulista. “Os 120 funcionários da Ibap também eram sócios-proprietários da empresa”, afirma Fernandes. “A motivação para trabalhar era grande e não havia desperdícios, eles sabiam que aquilo também era deles.”

Continua após a publicidade

Ferro na fibra

Aos poucos, porém, os planos começaram a afundar. Primeiro os críticos questionaram a viabilidade do projeto. Naquela época, carrocerias de fibra de vidro eram mais comuns em veículos esportivos, não em carros fabricados em larga escala, como o Democrata.

Para acabar com essa desconfiança nas apresentações do carro, os vendedores da Ibap propunham aos clientes martelar a carroceria com uma barra de ferro.

Democrata

Muito mais danosa ao futuro do Democrata foi a incrível sucessão de problemas que atingiram o projeto. Um navio cargueiro carregado de componentes mecânicos italianos para a fábrica da Ibap foi interceptado, sob alegação de contrabando.

Diante das dificuldades de importação, Fernandes apostou noutra solução: comprar a Fábrica Nacional de Motores, a popular FNM, uma estatal que estava sendo vendida na época pelo governo. A oferta de Fernandes teria sido recusada pelo Ministério da Indústria e Comércio sem justificativa.

Continua após a publicidade

Em seguida, vieram as pressões das autoridades e da imprensa. A CPI para averiguar se a empresa estava dando golpe nos investidores foi instalada em junho de 1966. Aos poucos, os clientes começaram a desistir das cotas, graças a essa propaganda negativa.

O golpe de misericórdia veio quando o Banco Central, depois de uma vistoria na fábrica, elaborou um laudo dizendo que não havia por lá a quantidade de profissionais gabaritados para construir carros em série, nem contratos com fornecedores para garantir a continuidade da produção.

Democrata

Fernandes respondeu a um processo por “coleta irregular da poupança popular sob falsa alegação de construir uma fábrica de automóveis”. Dois anos depois, ele fechou a Ibap. Além dos protótipos, ficaram no galpão em São Bernardo do Campo dezenas de carcaças de fibra de vidro e centenas de peças.

O empresário acabou inocentado, quase duas décadas depois, mas o estrago já estava feito. Ele responsabiliza a imprensa por uma verdadeira campanha para desacreditar o projeto. “Por influência de empresários de São Bernardo do Campo, que teriam prometido pressões contra a Ibap como nem o ex-presidente Jânio Quadros conhecera”, diz ele.

Continua após a publicidade

O Democrata de Azambuja, um dos dois que sobraram inteiros dessa trágica história (o outro está em Brasília, no Museu do Automóvel), começou a renascer da sucata abandonada da Ibap, pelas mãos de uma dupla de mecânicos de São Bernardo do Campo.

“Quando eu era criança, vi o carro na cidade e fiquei maluco por ele”, afirma José Carlos Finardi, 53 anos. Em 1989, ele soube que, dentro da fábrica fechada, havia ainda alguns carros. Conseguiu o telefone de Fernandes e, por cerca de 30.000 dólares, arrematou um lote de 25 carrocerias e três carros “recuperáveis”.

Democrata

José Carlos concentrou os trabalhos de restauração no carro que parecia mais inteiro. “Tivemos que encomendar uma réplica do pneu e recuperar várias peças do motor que estavam corroídas”, afirma o mecânico.

No total, o processo de restauração prolongou-se por quase três anos. O Democrata voltou a andar e chegou a ser exibido em encontros de antigomobilistas em Brasília e Águas de Lindóia, no interior de São Paulo.

Por descuido da dupla de mecânicos, o valioso carro acabou ficando parado na oficina por muito tempo. No ano retrasado, eles voltaram a investir em sua recuperação, mas deixaram o trabalho pela metade. Foi quando venderam o carro a Azambuja, que terminou o serviço.

O maior desafio, segundo ele, foi colocar o motor em operação. O bloco que acompanhava o carro estava trincado e, depois de várias tentativas frustradas de soldá- lo, foi substituído por outro enviado pelos Finardi.

Democrata: a história do carro esportivo nacional que virou ficção
Não se engane pela ampla grade: o motor é traseiro (Quatro Rodas)

Outra batalha foi acertar o ponto de ignição. Sem nenhuma referência, Azambuja e seu fiel escudeiro, o mecânico Vilson Passos, que assumiu a empreitada de botar o carro para andar, contaram com a ajuda de um amigo engenheiro mecânico, especializado em carburação.

Itens de acabamento como calotas e rodas foram feitos em Passo Fundo mesmo. Hoje o carro roda de duas a três vezes por semana, em nome do condicionamento físico. O motor V6 agora é que começa a ficar mais “solto”, nas palavras do novo dono.

Se as linhas em dia com o que havia de novo nos Estados Unidos e Europa ainda chamam atenção, ao volante fica mais fácil fazer ideia da evolução que o Democrata representava no cenário nacional dos anos 60.

À espera do motorista estão bancos individuais na frente separados por um console, revestimento de couro, painel de jacarandá emoldurando o completo conjunto de instrumentos que incluía até conta-giros.

Motor ligado, um ronco encorpado ressoa na cabine. A alavanca do câmbio de quatro marchas está bem localizada e o volante Valrod de três aros não exige a força que seria de se esperar da direção sem assistência. Em pouco tempo acostuma-se com o câmbio, ainda não totalmente desperto de sua hibernação de décadas.

Comparar sua dirigibilidade com a dos Aero-Willys e dos Simca, dois de seus contemporâneos, seria injusto. Sob todos os aspectos, a começar pela posição de dirigir, o Democrata se mostra um carro bem à frente de seus pares na época.

Ficha Técnica – Democrata
Anos de produção: de 1963 a 1968
Motor: traseiro, longitudinal, V6, 2 527 cm3, duplo comando de válvulas no cabeçote, bloco de alumínio fundido
Potência: 120 cv a 4.500 rpm
Torque: n/d
Diâmetro x curso: 84 x 76 mm
Compressão: 8,2:1
Carburação: dupla
Transmissão: manual de 4 velocidades, tração traseira
Suspensão: Dianteira: independente, braços triangulares superiores, braços de força inferiores, molas helicoidais, amortecedores hidráulicos de dupla ação. Traseira: semi-eixos oscilantes, braços longitudinais, molas helicoidais, amortecedores hidráulicos de dupla ação
Freios: tambor nas quatro rodas
Entreeixos: n/d
Rodas: aço, 15 x 5
Peso estimado: 1.150 kg

 

Publicidade

Consulte a Tabela KBB

Selecione o carro que você quer vender ou comprar

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

BLACK
FRIDAY
Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 5,99/mês*

ou
BLACK
FRIDAY

MELHOR
OFERTA

Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Quatro Rodas impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 10,99/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.