Tensão e adrenalina no curso de pilotagem da Polícia Militar
Dirigir viaturas da polícia requer técnica, treino e sangue frio. E eu testei essas três habilidades em um curso da Polícia Militar de São Paulo
Segunda-feira, 7 da manhã. Estou na escola de soldados da Polícia Militar de São Paulo. É meu primeiro dia de aula no curso de direção policial, ministrado pela própria instituição.
Sou o único civil e o único aluno desarmado da turma. Meus 18 companheiros de classe são capitães e tenentes da polícia paulista, que representam várias divisões da corporação: Rota, Força Tática, Polícia Rodoviária e Choque.
Por duas semanas, eles acumularam o trabalho nos batalhões com atividades em sala e em pistas de teste improvisadas para aprender e, posteriormente, transmitir o conhecimento básico que todo policial-motorista deveria dominar antes de assumir a condução de uma viatura. E eu passei pelo mesmo treinamento.
O primeiro obstáculo à atividade policial é o automóvel. Uma viatura não é muito diferente dos carros à venda nas concessionárias, mas qualquer carro básico de locadora é melhor. Acessórios comuns a modelos de entrada são eliminados dos veículos adquiridos pelo governo. Para o curso, quatro foram destacados: Palio Weekend, SpaceFox, Hilux e Trailblazer.
Os Fiat e os Volkswagen não tinham ar-condicionado, vidros elétricos ou travas automáticas. Nem a alavanca interna de abertura do porta-malas – item de série nos modelos da marca italiana – estava disponível.
Para conter custos e oferecer modelos mais baratos nos processos licitatórios, os fabricantes removem acessórios que lhes economizem alguns reais por carro. Também não há nenhuma preparação: motor, transmissão, suspensão, pneus, tudo é igual ao que eu ou você (e os bandidos) encontramos no mercado.
Ao receber os veículos, a PM remete as unidades para outra empresa, responsável por caracterizar os carros na condição mais elementar: a lataria original, pintada de branco, é coberta e adesivada com o padrão de cores da PM.
Por fim, são instalados um luminoso vermelho no teto, sirene, sistema de rádio e o guarda-preso (uma estrutura para conter os suspeitos no porta-malas). Os bancos recebem uma capa impermeável feita de vinil e feltro cinza. E só.
Atrás do volante de uma SpaceFox, dirijo em alta velocidade pelas ruas de São Paulo, após receber a teoria das técnicas de comboio da polícia paulista. O nível de tensão dos deslocamentos é elevado. Dentro da viatura, meus colegas viajam atentos o tempo todo. Eles percebem os carros ao redor e atividades suspeitas. Eu só consigo me concentrar no trânsito.
Na estrada, oito carros andam a 110 km/h com menos de 2 metros entre si. Meu coração está acelerado, assim como o giro do motor: 5.000 rpm. A rotação elevada garante potência o tempo todo. As viaturas se alternam para fazer a contenção das vias laterais e manter a mobilidade do grupo – algo essencial para veículos de emergência.
Mal tenho tempo de reparar no trajeto. Minha preocupação é não esbarrar nos carros civis, não deixar abrir o espaço em relação ao carro da frente e dar conta de sinalizar minhas ações, inclusive o uso da sirene e do luminoso no teto. Aliás, me surpreendi com a quantidade de motoristas que ignoram a prioridade de passagem de viaturas, apesar das sirenes e dos luminosos. Mas também realizei um sonho de motorista: andar de carro entre duas pistas de rolagem – ao volante, claro, não dentro do camburão.
Atualmente, a maior parte dos veículos da Polícia Militar são modelos de entrada, como Gol, Voyage, Palio, Palio Weekend e SpaceFox. Mas a frota tem antiguidades na ativa, como Parati, Astra e Santana. Em comum, custam pouco. E não necessariamente são adequados ao policiamento.
Porém, no Brasil, as aquisições governamentais são realizadas por licitações. Nessas concorrências públicas, as empresas vencem os rivais oferecendo preços menores. Com verbas insuficientes para a compra de carros adequados e em quantidade ideal, a polícia acaba algemada pela política. E os comandantes são levados a preferir veículos que custem menos, pois só assim conseguem dar conta de equipar todos os batalhões.
Quando a viatura vai para a rua, novamente o Estado age contra si mesmo. O relato mais comum refere-se às más condições das vias. Se as ruas e estradas brasileiras são inimigas dos carros particulares, os da polícia sofrem ainda mais.
As viaturas rodam todos os dias, atendendo a dois turnos. Quando o policial vai para casa, o carro continua trabalhando. Buracos, desníveis, asfalto ruim e lombadas irregulares reduzem drasticamente sua vida útil, inferior a três anos. “Algumas SpaceFox de meu batalhão têm trincas no túnel do assoalho. A garantia da Volks não cobre o reparo. E a burocracia pública dificulta a realização do conserto”, ouço de um policial.
Algumas aulas são dadas com Hilux e Trailblazer. A ideia é mostrar as diferenças de pilotagem em relação a carros pequenos. E de novo me surpreendo com os relatos. “Tivemos capotamentos com o Toyota. A estabilidade do veículo é muito inferior à do Chevrolet”, dizem os motoristas. Mas não é a única crítica à Hilux: “O motor é fraco, perde em retomadas para a Trailblazer e consome mais”.
A Polícia Militar não tem viaturas dedicadas aos cursos. Também não dispõe de uma pista própria. As aulas práticas exigem que os carros sejam retirados das ruas, por isso os professores trabalham com poucos veículos. “Hoje usamos oito. O ideal é que tivéssemos 70 viaturas para a escola”, explica o capitão Eliéverson de Lima, coordenador do curso de direção.
A rotina de Lima é contornar adversidades. Uma delas é encontrar espaços para treinos. No curso, participei de exercícios numa rua fechada, em um kartódromo e em um estacionamento – ambos emprestados. Essa limitação de recursos compromete o aprendizado dos policiais, pois torna-se um empecilho ao treinamento.
Na base do grito, se necessário, Lima corrige vícios dos motoristas – e sua mira atenta alveja de longe quem sai da linha. “Um dos meus objetivos é transformar o comportamento dos policiais ao volante”, diz. Atualmente, o instrutor tenta erradicar maus hábitos dos policiais, como dirigir com um dos braços para fora, frear desnecessariamente e, principalmente, convencer os patrulheiros a utilizar o cinto de segurança.
Cinto em 3 segundos
Para um policial, a reação ao volante precisa ser tão automática quanto sacar uma arma. Isso inclui desafivelar o cinto. Enquanto um motorista comum tem todo o tempo do mundo para fazê-lo, os policiais precisam estar aptos a soltá-lo em 3 segundos. Em uma situação de risco, em que o profissional pode ser alvejado, o dispositivo atrapalha mais do que ajuda.
Com colete balístico, cinturão e um simulacro no coldre, não consegui me libertar do cinto no tempo exigido. “Quando se pensa em acidentes, a proteção do cinto é inquestionável, mas o equipamento padrão não é adequado à atividade policial”, diz um dos capitães.
A condição das viaturas também trava o aprendizado. As Palio Weekend, com cerca de três anos, apresentavam ruídos anormais no motor, tinham pneus gastos, lanternas ressecadas pelo sol e para-brisas trincados. Meu espanto com a má saúde dos veículos contrastou com a serenidade de meus colegas. “Essa situação é recorrente na rua”, conta um policial. Também não há blindagem. “Seria ideal ter proteção parcial no para-brisa e portas”, dizem.
Um curso de direção comum se limita a técnicas de direção e à redução de tempos. A polícia também tem esses cuidados. Mas nenhum piloto civil corre o risco de ser alvejado na curva adiante. Na pista, a briga é contra o relógio. Na rua, menosprezar o relógio pode custar uma vida. E com uma diferença: pilotos treinam até decorar o traçado e têm bons carros. Os policiais nem sempre conhecem as “pistas”, nem contam com veículos equipados para garantir a próxima corrida. E nem por isso deixam de encarar seus oponentes.
DESLOCAMENTOS DE EMERGÊNCIA
A Polícia Militar desenvolveu técnicas de deslocamento em comboio, quando três ou mais veículos precisam andar em grupo, para evitar acidentes e favorecer a movimentação. Desde 2005, a PM segue um procedimento padronizado.
Dentro da cidade ou na estrada, o objetivo é o mesmo: preservar a mobilidade das viaturas, gerar o mínimo de impacto no trânsito e garantir a segurança de todos. Ao volante, a atenção é máxima. Os carros andam próximos uns dos outros e os motores são mantidos em altas rotações para extrair toda a potência possível.
1 – Domínio de posição
Em formação, os carros se posicionam na faixa em zigue-zague. O primeiro (carro-chfe) abre caminho. O último fecha a fila.
2 – Jogada ensaiada
A viatura atrás do carro-chefe (chamada de balizador) domina a faixa lateral, reduz para a entrada do comboio e volta à fila.
3 – Segurança do grupo
Durante o trajeto, uma das viaturas pode tomar uma das faixas laterais para impedir a aproximação de veículos alheios ao comboio.
A VIATURA IDEAL
QUATRO RODAS mesclou relatos e ideias de policiais com carros utilizados em outros países para criar estas projeções, obras do designer Du Oliveira. No Brasil, o formato das licitações e as limitações de verba impostas pelos governos só viabilizam a aquisição de veículos que não necessariamente são os mais adequados à atividade policial. E a viatura dos sonhos seria assim:
Elevação – A suspensão elevada facilita a transposição de buracos, desníveis e lombadas – obstáculos urbanos comuns.
Luz extra – Com faroletes nas portas, os policiais têm melhor visão à noite onde a iluminação pública é deficiente.
Largura – Pneus adequados e para-lamas mais largos e protegidos facilitam a chegada a locais de difícil acesso.
Reforços – O para-choque de impulsão permite que a viatura possa abalroar outro veículo ou transpor obstáculos.
Blindagem – A proteção parcial, limitada ao para-brisa e às portas, poderia servir de escudo aos policiais em ação.
O INTERIOR IDEAL
QAP, COPOM! – Os alto-falantes do rádio no teto facilitam a compreensão de mensagens da central.
Sai da frente – Tela com GPS e de dados no painel para não obstruir as janelas e comprometer a visão.
Um-dois – O cinto toráxico não engancha no cinturão e desengata sozinho quando os policiais abrem as portas.