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O que é micromobilidade e por que ela não funciona no Brasil

Especialistas criticam conceito de mobilidade com patinetes elétricos e alegam que problema não está na infraestrutura do país

Por Gabriel Aguiar
11 Maio 2020, 07h00
Inauguração da ciclovia na Avenida Paulista.
Especialistas afirmam que, mais que infraestrutura, falta instrução ao condutor (Leon Rodrigues/Quatro Rodas)

O termo micromobilidade surgiu em há menos de três anos, quando o analista de tecnologia Horace Dediu utilizou a palavra durante o Tech Festival de Copenhagen, na Dinamarca, para se referir aos meios de transporte com menos de 500 kg e motorização elétrica.

E se você juntou essas características, notou que os patinetes compartilhados – oferecidos aqui desde 2019 – se encaixam perfeitamente à descrição. Mas até que ponto esse conceito é benéfico às cidades?

“Patinetes e bicicletas motorizadas são motos disfarçadas. E esse é um problema que existe no mundo inteiro, pois causam insegurança às demais pessoas por alcançarem altas velocidades com facilidade. Ainda há o problema na formação dos condutores, que muitas vezes não têm o comportamento civilizado e isso gera risco a todos”, explica Alexandre Delijaicov, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e arquiteto da prefeitura de São Paulo.

Ainda não existe uma regulamentação nacional para os veículos “autopropelidos”, como são tratados pelo Código de Trânsito Brasileiro. Por isso, se aplica apenas a regra de velocidade: até 6 km/h em áreas de circulação de pedestres e 20 km/h em ciclovias ou ciclofaixas.

Mas a capital paulista também proibiu o uso nas calçadas, enquanto o Rio de Janeiro definiu que só estão permitidos usuários acima dos 18 anos, além do limite de velocidade para iniciantes.

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“Hoje, temos negligência para formação de ciclistas e até para veículos motorizados maiores. Infelizmente, está muito distante a exigência para os condutores desses veículos elétricos de pequeno porte”, diz Eduardo Biavati, sociólogo consultor da Global Road Safety Partnership, divisão da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho para a segurança no trânsito.

Vale lembrar que até ciclomotores, que têm motor de 50 cm³ e chegam a 50 km/h, exigem autorização.

PATINETES ELÉTRICOS COMPARTILHADOS
Empresas de aluguel de patinete elétrico já abandonaram o mercado no Brasil (Caio Guatelli/Quatro Rodas)

Recentemente, a alemã Dekra apresentou um novo Padrão de Micromobilidade, que prevê testes para mais de 120 itens em oito diferentes áreas: projeto técnico; produção, transporte e montagem o veículo; autoridades, seguros e infraestrutura; segurança de TI e proteção de dados; treinamento e comportamento do usuário; uso e aplicação do veículo; manutenção e armazenamento; e reciclagem. O serviço será fornecido às empresas de aluguel a às cidades.

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Segundo a companhia, que é especializada em certificações, foram registrados 125 acidentes em São Paulo de janeiro a maio de 2019 – quando ainda não havia regulamentação do uso.

“Do ponto de vista da infraestrutura, não há nenhum impeditivo para a micromobilidade nas cidades brasileiras. É mais uma questão de ética na formação dos condutores. As pessoas têm que se colocar no papel das outras e respeitar os mais frágeis no trânsito”, reforça Delijaicov.

“Infelizmente, as medidas tomadas por São Paulo, Rio de Janeiro e por outros grandes centros foram pensadas no calor da situação. Não houve um planejamento ou uma discussão, mesmo porque o poder público foi atropelado pela chegada desses novos modais. E o principal ponto que a regulamentação não consegue é o respeito no compartilhamento do espaço público”, conta José Aurelio Ramalho, diretor-presidente do Observatório Nacional de Segurança Viária.

Em janeiro, a norte-americana Lime, operadora de patinetes elétricos para compartilhamento, anunciou a saída do Brasil após seis meses aqui. No mesmo mês, a Grow – companhia criada após a junção de Yellow e Grin – reduziu as operações no país e saiu de 14 cidades.

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“Muitas empresas chegaram e já estão indo embora. E não é por legislação ou regulamentação, mas sim pelo nosso hábito equivocado no uso desse tipo de equipamento”, afirma Ramalho.

Por outro lado, a Uber passou a oferecer patinetes elétricos em São Paulo – cidade com maior número de corridas da empresa no mundo – em março.

“Planejamos a operação para que os patinetes sejam uma opção para aqueles deslocamentos mais curtos, de forma a incentivar que os veículos elétricos sejam usados para complementar o transporte público e driblar o trânsito”, diz Ruddy Wang, diretor da divisão de novas modalidades da Uber para América Latina.

Para tentar contornar os problemas de segurança apontados por especialistas e má-utilização dos equipamentos, a companhia fornecerá aos usuários materiais educativos no site oficial, no aplicativo, em cartões fixados nos próprios patinetes, além de distribuir folhetos em eventos e campanhas de conscientização.

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A Uber também firmou uma parceria com a rede de lojas de materiais esportivos Centauro para disponibilizar capacetes com descontos de até 40%.

“A ideia de micromobilidade é real apenas para cidades que permitem deslocamentos em até 30 minutos e quando é parte do sistema de transporte público. Pensando como saúde pública, é indicado caminhar parte do trajeto para realizar exercício físico. Não faz sentido o conceito baseado em veículos que tenham autopropulsão”, reflete Alexandre Delijaicov, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e arquiteto da prefeitura de São Paulo.

Ciclovia
Cidades como São Paulo já têm regulamentações para micromodais (Gustavo Andrade/Quatro Rodas)

“Atualmente, 60% dos deslocamentos feitos em São Paulo são entre 2 km e 5km. Ou seja, a maioria dos trajetos poderia ser realizado de bicicleta. Nossas estações estão distribuídas em pontos de grande demanda, como terminais de ônibus e próximos as estações de metrô, para facilitar a intermodalidade. Por exemplo, quem mora no bairro periférico, mas trabalha na região central, pega o metrô e depois a bicicleta”, explica Tomás Martins, CEO da Tembici.

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De acordo com a prefeitura da capital paulista, a malha cicloviária é de 503 km atualmente, mas a promessa é de que seja ampliada a 676 km até o fim de 2020.

A Secretaria Municipal de Mobilidade e Transportes afirma que, desde que ciclovias e ciclofaixas foram implementadas na cidade, o número de óbitos envolvendo ciclistas reduziu 63% – vale lembrar que o trânsito paulistano teve 849 vítimas fatais ao longo de 2018, segundo dados divulgados pelo governo.

“Ainda há uma questão fundamental à qual deveríamos nos atentar e que muitas vezes passa despercebida nas discussões de novos meios de deslocamento, que diz respeito à inexistência ou à péssima qualidade das calçadas”, diz Eduardo Biavati, sociólogo consultor da Global Road Safety Partnership, divisão da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho para a segurança no trânsito. E, segundo Alexandre Delijaicov, 38% dos deslocamentos são feitos por pedestres.

“Desde a Copa do Mundo de 2014, mobilidade finalmente se tornou um tema de discussão no Brasil. E isso é fundamental para o convívio em sociedade. Só que, desde então, após mais de seis anos, tivemos mais avanços em relação à visibilidade desse tema que na efetiva solução de problemas que vêm de longa data e exigem mudanças profundas. No fim, melhorou para quem tem privilégios em vez de promover uma mobilidade mais justa de fato” finaliza Biavati.

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