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Gurgel Itaipu, o suspiro de vanguarda do Brasil entre os carros elétricos

Em 1981, João Gurgel vislumbrou a mobilidade urbana brasileira com carros elétricos e um leasing nas baterias, grande gargalo da eletrificação até hoje

Por Fábio Black
Atualizado em 28 fev 2021, 19h41 - Publicado em 1 jul 2020, 07h00
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Utilizava mecânica Volkswagen com propulsor semelhante a empilhadeiras elétricas, receita utilizada até hoje em projetos de carros elétricos retrofit mundo afora (Claudio Laranjeira/Quatro Rodas)

Que o carro elétrico não é nenhuma novidade todo mundo sabe: desde o final do Século 19 já existiam carros movidos a eletricidade pelo mundo.

O fato é que demorou mais de um século para a humanidade perceber que talvez, somente talvez, o motor a combustão não seja o mais adequado sob o ponto de vista ecológico.

É duro dizer isso, porque mais do que todos nós fomos moldados a gasolina, escapamentos, calor e velocidade. Quase tudo o que um carro elétrico não tem a oferecer, pelo menos a maioria deles.

Por um outro lado, o baixo custo de recarga e manutenção, aliado ao conforto do silêncio e o sentimento de que estamos colaborando com o planeta podem ser bons motivos para aderir à ideia de ter um elétrico na garagem.

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Se essa proposta parece nova, saiba que nos anos 1980 um controverso e perseverante engenheiro brasileiro já planejava criar um produto nacional vislumbrando um futuro elétrico.

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Sim, estamos falando de João Augusto Amaral Gurgel. E nós, da QUATRO RODAS, não poderíamos ter deixado de testar um de seus projetos mais inovadores.

O Gurgel Itaipu E-400 esbarrava em dois grandes pilares, que até hoje não foram totalmente solucionados: custo e autonomia da bateria, e ainda um terceiro, que era o tempo de vida útil das baterias utilizadas naquela época.

Claro que tudo isso melhorou muito, graças a baterias muito mais tecnológicas, mas o alto custo delas ainda é o maior problema para a popularização do carro elétrico no mundo.

Isso sem falar na matriz energética, que muitas vezes pode ser bem mais poluidora que a própria gasolina, como é o caso da China, que tem geração de energia elétrica através da queima de carvão.

Na época, a solução parecia inteligente: um leasing de baterias era o meio proposto pela Gurgel para viabilizar o carro elétrico no Brasil. Como sabemos, até hoje isso não virou realidade. Quem sabe um dia…

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Relembre o teste de Claudio Carsughi com o Itaipu E-400 na edição de junho de 1981.

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Vendido inicialmente para frotas de empresas, era um meio de testar na prática o produto antes de chegar ao consumidor comum (Divulgação/Quatro Rodas)

SEM FUMAÇA, SEM RUÍDO: ASSIM ANDA O ITAIPU

O ITAIPU E-400, o carro elétrico produzido pela Gurgel, é tão fácil de dirigir quanto um veículo convencional. Seu desempenho é modesto, mas compatível com o uso no trânsito urbano

Reportagem de Claudio Carsughi
Fotos de Claudio Larangeira

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Você senta, pega o volante nas mãos, solta o freio de estacionamento, pisa no acelerador e o carro sai – silenciosamente. Isto é o que normalmente ocorre com os veículos elétricos.

O Itaipu E-400, construído em Rio Claro pela Gurgel, difere um pouco desse esquema.

Pela presença dos três pedais (acelerador, freio e embreagem) tradicionais, tipo Volkswagen, ele lembra muito mais um carro convencional do que um elétrico.

Mas, uma vez em movimento, seu silêncio é o mesmo, e a impressão de que é necessário acionar mais frequentemente a buzina para advertir os pedestres que não ouvem sua aproximação, idêntica.

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Item de colecionador, a o E-400, vestido com a “farda” da Telerj (Divulgação/Divulgação)
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Para fazer funcionar este E-400 é preciso mover, de trás para a frente, uma alavanca situada entre os dois bancos dianteiros (esta alavanca serve para ligar todo o sistema); depois, abaixa-se o pedal da embreagem (sem isto o motor não pega), liga-se a chave de contato e o carro está pronto para andar.

Apertando-se o acelerador, com um pouco mais de força do que se faria num carro convencional, e soltando-se o pedal da embreagem o veículo começa a rodar.

A seguir, a troca de marchas (são, ao todo, quatro para frente e um à ré) processa-se normalmente – é um câmbio VW comum –, bastando ter o cuidado de dar um certo tempo para o engate de marcha a fim de evitar um pequeno tranco, pois o motor elétrico não cai de rotação tão rapidamente como o motor a gasolina.

Uma vez em movimento, o E-300 comporta-se como um carro convencional, tanto no que diz respeito ao motor, de 10 kw ao regime de 3.000 rpm e com um consumo médio de 0,4 kWh/km, como a todos os demais componentes, originários de produção normal de Volkswagen, o que, além de facilitar a reposição em caso de quebra ou desgaste, reduz seu custo industrial.

Assim, afora o silêncio, a impressão é a de estar guiando um carro convencional, de 3,82 m de comprimento, 1,63 de largura e 1,64 m de altura, ao que se soma uma reduzida potência a um elevado peso total, 1470 kg.

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O desempenho

O desempenho do E-400 não é nada que entusiasme, mesmo porque ele não foi projetado para alcançar grandes marcas.

Assim, após uma aceleração inicial razoável até por volta de 35 km/h, ele começa a demorar parar atingir sua velocidade máxima, que se situa por volta de 70 a 75 km/h.

Mas isto é apenas um detalhe, pois o desempenho é tão pouco visado que existe até mesmo um cômodo limitador da potência fornecida pela bateria, que é ligado por meio de uma chave no painel, para impedir que o veículo chegue a mais de uns 45 km/h.

Esse sistema é cômodo e útil naquele que, em nossa opinião, é o melhor campo de uso deste E-400: o transporte urbano. Utilizando-se este limitador na cidade, a autonomia do veículo consequentemente cresce.

Assim, dos 80 km previstos, pode-se chegar a mais de 100 km. Testes realizados pelo fabricante indicaram uma autonomia de 127 km na cidade sem recarga.

Naturalmente esta marca foi obtida com uma forma de dirigir particularmente cuidadosa, e assim representa um limite que dificilmente o motorista comum conseguiria atingir.

Mas serve para dar um ideia efetiva da autonomia do E-400. Essa autonomia naturalmente pode ser incrementada por pequenas recargas, durante as interrupções de sua utilização.

Assim, por exemplo, uma parada de duas horas para almoço pode servir parar recarregar as baterias que estejam, pelo uso anterior, com cerca de metade de sua carga (a recarga total se efetua num período de oito horas, e pode ser feita à noite, pois em alguns locais a eletricidade é mais barata durante o período noturno).

Para recarga, total ou parcial, é suficiente ligar um plug existente na carroceria, perto da porta do motorista, a uma tomada doméstica, sem qualquer outra operação.

Duração das baterias

Um dos pontos que penalizam economicamente o veículo elétrico tem sido o número de recargas admitidas para as baterias.

As do E-400 – duas unidades de 175 amperes/hora tipo chumbo ácido –, iguais às usadas em auto-tração, como, por exemplo, empilhadeiras, suportam, de acordo com as especificações da fábrica, 800 recargas, número que pode aumentar se, durante seu uso, não se deixar que se descarreguem totalmente.

Assim, admitindo-se um uso diário do carro, pode-se chegar a três anos antes da necessidade de trocar as baterias.

Esse fato é muito importante, pois o conjunto de baterias custa cerca de 25% do preço do veículo elétrico. Em termos atuais, o preço aproximado do E-400 é Cr$ 900 000,00, as baterias custam cerca de Cr$ 225 000,00.

Para evitar o problema de uma despesa elevada, é pensamento da Gurgel estabelecer um sistema de leasing para as baterias: elas seriam trocadas, ou diariamente ou após determinado período de uso, contra o pagamento, pelo dono do carro, de uma quantia pré-fixada.

Parece-nos que o sistema constitui brilhante solução para o problema, sobretudo quando o carro começar a ser vendido também a particulares.

O mercado visado

Inicialmente o E-400 será reservado a companhias estatais, o que permitirá à Gurgel receber e avaliar uma série de informações relativas ao uso, comportamento, consumo e desgaste dos seus veículos de fontes mais confiáveis do que os usuários comuns.

Outra vantagem dessa análise é a de que ela se estenderá por uma quilometragem maior, e eliminará, pelo uso de muitos veículos no mesmo tipo de serviço, qualquer anomalia atípica.

Mas logo depois é pensamento da Gurgel abrir a venda do E-400 parar o público em geral, o que poderá ocorrer ainda este ano.

Para o público, além da versão furgão que serviu para essas “Impressões ao Dirigir”, serão oferecidos mais dois modelos: uma picape, de grande utilidade para cargas leves (sua capacidade é de 400 quilos), e uma perua para cinco pessoas.

Será esta última versão, naturalmente, a que atrairá o maior interesse dos que buscam um meio mais econômico de transporte urbano.

O E-400 é, em nossa opinião, fruto de um design particularmente feliz e as fotos, de uma forma geral, não lhe fazem muita justiça – ao vivo, a impressão que ele dá é mais agradável: a de um van, em tamanho um pouco menor, com uma frente agressiva, lembrando alguns trens de alta velocidade, e uma relação altura/largura que parece achatá-lo junto ao solo.

Pensamos até mesmo que uma versão com o motor tradicional (a gasolina ou álcool) poderia ganhar, sem muito esforço, sua fatia no mercado nacional.

Principalmente por causa da sua capacidade de carga, que poderia ser superior a uma tonelada com a eliminação de todo o atual conjunto de baterias.

Conclusão

O Carro elétrico da Gurgel é, hoje, uma realidade indiscutível. O seu desenvolvimento remonta o 1973, e o seu primeiro protótipo foi apresentado no Salão do Automóvel de 1974 (hoje ornamenta o salão de entrada da fábrica, em Rio Claro).

Pelas suas características, será sempre um carro de uso preponderantemente urbano, no qual a elasticidade de marcha vale muito mais do que o desempenho em termos absolutos.

E com a facilidade de poder ser recarregado onde existir uma tomada elétrica, sem necessitar, durante isso, nenhuma atenção. Para seu uso por frotas, a eventual substituição do conjunto de baterias não apresenta qualquer problema de ordem comercial.

Para o usuário comum, a ideia do leasing das baterias nos parece ser a solução mais indicada. E, para todos, a inexistência de qualquer necessidade de regulagens frequentes do motor, ao contrário do motor a gasolina ou álcool, representa uma vantagem, tanto no aspecto econômico como no de tempo ganho.

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Capa edição 734

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