O lançamento da Audi no Brasil foi marcado para acontecer nos dias seguintes ao Grande Prêmio Brasil de Fórmula 1 de 1994, com a torcida por uma vitória do piloto Ayrton Senna, sócio na operação da marca alemã no país, que fazia sua primeira corrida pela equipe Williams-Renault.
A vitória não veio. Nosso tricampeão mundial não só perdeu na pista para o Benetton do alemão Michael Schumacher como nem subiu ao pódio naquele domingo, porque escapou e derrapou entre o Mergulho e a Junção em Interlagos, na tentativa de alcançar o adversário.
Mesmo sem a vitória, porém, logo depois do GP, no hangar da extinta Varig no Aeroporto de Congonhas, 2.500 pessoas compareceram à festa de lançamento da Audi, em que, no seu momento mais emocionante, o piloto – no palco – pediu para todos olharem para o telão que mostrava a chegada de um avião cargueiro trazendo o novo Audi 80 Cabriolet, um conversível.
E quem foi retirá-lo do avião e levá-lo para o Ayrton no palco foi nada mais nada menos que o humorista Jô Soares, que naquela época apresentava o Jô Soares Onze e Meia, o programa de entrevistas de maior audiência do país.
Trabalhando com o Senna há anos e iniciando meu serviço na Audi, consegui uma entrevista ao vivo no Jornal da Globo, em que o piloto falaria diretamente do aeroporto com a apresentadora, que era a jornalista Lillian Witte Fibe. Ciente de que ela não ia citar e nem dar muita chance para o Ayrton falar de Audi, alertei o piloto de que, como era ao vivo, ele podia anunciar a nova marca, que não haveria como a emissora cortar.
Fiquei próximo do Senna durante a entrada ao vivo, porém ele não fez o combinado. Ao final, reclamei: “Ayrton, você não falou nada de Audi?”. A resposta: “Caramba, ela só me perguntou sobre a corrida”, explicou meio chateado.
No dia seguinte, em Interlagos, faríamos a apresentação dos novos modelos para a imprensa especializada, mas a TV Globo não participaria, pois não cobria esse tipo de evento. Fui para o autódromo com aquele gostinho de derrota, o mesmo que ainda devia estar sentindo o Ayrton em relação ao GP Brasil, vencido pelo alemão.
Quando cheguei à sala de imprensa que montamos para a ocasião, antes da presença dos quase 100 jornalistas que foram convidados, liguei para o chefe de reportagem da editoria de esportes da TV Globo, o José Maria de Aquino, para checar se havia a chance de mandar uma equipe. Ouvi dele: “Charles, ontem já demos quase quatro minutos, ao vivo, no Jornal da Globo, hoje não tenho como mandar uma equipe para Interlagos, me desculpa”.
Triste mas compreendendo a resposta do Zé Maria, por quem tenho até hoje a maior admiração como um dos melhores jornalistas que conheci na vida, segui me preparando para o evento. Mas nem sei, até hoje, de onde partiu, tive o estalo de uma pauta e liguei novamente para o Aquino.
“Zé, não falei com o homem ainda, mas se o Ayrton levar o seu repórter no carro e mostrar pra ele como escapou com o Williams na pista, o que você acha?”, perguntei. “É Jornal Nacional de hoje”, respondeu. “Pode falar com ele.”
Não deu outra. O Ayrton aceitou de pronto fazer a matéria. A equipe da TV Globo só chegou na hora do almoço, quando os outros jornalistas já haviam terminado seus trabalhos e, como combinado, lá se foi o tricampeão mundial para a pista, até o Mergulho, mostrar para o repórter Mauro Naves, atualmente na Fox Sports, como foi que ele escapou com o Williams.
O emblema da Audi no volante, com quatro argolas, apareceu por aproximadamente três minutos de matéria. E, nas imagens externas, o Ayrton ainda explicava que aquele modelo esportivo tinha tração quattro, que agarrava mais que o seu próprio F-1 no asfalto. Portanto, só estava forçando aqueles rodopios na pista para ilustrar a matéria de sua escapada com o Williams.
Conversando recentemente com o Mauro Naves, ele me disse que nem desconfiava que havia sido eu quem tinha sugerido a pauta. Naves recorda que estava com a equipe de reportagem na redação e que, de um momento para o outro, recebeu a incumbência de fazer a matéria com o Senna na pista. E até estranhou o fato de ter chegado lá quando todos os jornalistas e o próprio Senna estavam saboreando um churrasco nos boxes.
Mauro Naves me disse também que sempre relembra, em suas mídias sociais e em eventos de que participa, que foi o último repórter a andar em Interlagos com o Senna. E também fez a derradeira entrevista dele no Brasil, pois o Ayrton contou para ele que, dali de Interlagos praticamente já viajaria para a Europa, de onde só voltou após o seu terrível acidente em Ímola, na Itália, no dia 1º de maio de 1994.
Mauro Naves não esquece de ter recebido do próprio Ayrton um brinde com o qual a Senna Import presenteou os jornalistas no evento: um relógio com o logo das quatro argolas, que ele guarda até hoje como a maior recordação daquele dia. Confesso que não me lembrava do brinde e nem que o Ayrton tinha ido para a Europa naquele mesmo dia. Mas de uma coisa não esqueci daquele último momento do Senna no Brasil: se agradei o repórter da Globo sem ele saber, por outro lado decepcionei totalmente a produtora do Jornal do SBT, a Cláudia Liz (homônima da modelo).
Infelizmente, a Cláudia não está mais entre nós, mas naquele dia ela andou com o Senna na pista, onde ele apresentou a ela e aos demais jornalistas como eram os novos modelos S2 e S4 da Audi. Ao assistir o Jornal Nacional, à noite, ela me ligou desesperada perguntando se eu tinha visto a Globo. Eu disse que não e era a pura verdade.
Mas a conversa continuou e Cláudia disse que a emissora havia mostrado como o Senna tinha escapado no Mergulho. E aí precisei ser falso: “É mesmo? Vi que a equipe deles foi com o Ayrton direto para a pista”. Bravíssima, ela me dizia que o chefe queria demiti-la por ter deixado fazer aquela pauta.
Por sorte, como eu não tinha acompanhado o Ayrton, por preferir ficar com os demais jornalistas convidados para o evento até o final do almoço, ela se convenceu de que eu não tive culpa. Só espero que minha mentira, daqui debaixo, não tenha pernas curtas caso a Cláudia, lá de cima, tenha a chance de ler essa minha história dos tempos de assessor da Audi Senna.