Apenas 12 meses separam esta reportagem do comparativo que fizemos na virada de 2022 para 2023 entre oito SUVs compactos. E nesse período muita coisa mudou no mercado. O que nos impressionou mais foi a quantidade de lançamentos de carros elétricos e como já no fim do ano eles aumentaram de forma significativa a participação nas vendas.
No momento de decidir qual seria a pauta de 2023/2024, a equipe foi unânime em dizer que teria que ser algo com carros elétricos, afinal o ano passado foi marcante para este segmento. As novatas BYD e GWM lançaram modelos (Dolphin e Ora 03) com preços competitivos, que contribuíram para elevar as vendas dessa categoria e desbancaram marcas tradicionais como Renault e Volvo.
As vendas de carros híbridos e elétricos fecharam 2023 com recorde e acima de todas as expectativas. Foram 93.927 unidades de veículos eletrificados, um crescimento de 91% sobre as vendas de 2022, e mais do que esperava a ABVE (Associação Brasileira do Veículo Elétrico), responsável pelos números.
O BYD Dolphin é o elétrico mais vendido do país. Com 6.812 unidades, o compacto ultrapassou o já consolidado Volvo XC40 em mais de 5.000 exemplares e também o Renault Kwid E-Tech, vendendo 25 vezes mais.
Os elétricos dominaram os lançamentos no mercado brasileiro em 2023 e devem seguir avançando agora em 2024. A prova disso é que eles praticamente ocupam todas as páginas desta edição: eles somam 14 modelos.
A seleção dos veículos representados neste dossiê utilizou como critério principal a relevância de cada carro e a audiência das matérias em nosso site, portanto são modelos de categorias e preços distintos. Tendo cada um, uma marca distinta.
A intenção é trazer a vivência de sete pessoas com suas respectivas rotinas no período de festas com um carro elétrico utilizando principalmente sistemas de recarga públicos e pagos para recarregar as baterias.
Em um mundo ideal, cada um de nós deveria ter um Wallbox na garagem de casa – condição para qualquer proprietário de elétrico. Afinal, é a situação correta de utilização de um carro como esse. O carregamento doméstico é mais seguro, confortável e muito mais barato (o consumo de um chuveiro elétrico, segundo especialistas da área).
Entre nós, houve quem conseguisse abastecer em casa, usando um adaptador. Mas isso exigiu paciência.
Ao longo dos textos, é curioso observar como cada um viveu a experiência de rodar com um elétrico. O editor de arte Fabio Black, que conseguia carregar em casa, usou o carro o tempo todo no modo Sport e com o ar-condicionado ligado. Já o piloto Leonardo Barboza, escaldado com a logística dos carros de teste elétricos, não deu sopa para o azar e rodou sempre no modo Eco+.
Em um ponto todos estão de acordo: depender apenas dos eletropostos públicos não é uma alternativa viável. Tivemos mais problemas do que esperávamos. Acompanhe nas próximas páginas as conveniências e inconveniências que qualquer dono de elétrico pode enfrentar em seu dia a dia.
BMW IX1, por Henrique Rodriguez
Lembro que meu pai instalou GNV em uma Chevrolet C20 por volta de 1998 e ele sempre precisava desviar do caminho de casa para abastecer o carro. Demorava, pois os postos de GNV do Rio de Janeiro sempre tinham fila naquela época. Sem um carregador em casa, minha experiência de 1.300 km com o BMW iX1 me fez lembrar daquela C20.
Hoje, moro em São Paulo. No uso urbano, recargas curtas em shopping e mercado perto de casa bastaram. Mas para passar o Ano-Novo no Rio fui forçado a sair cedo e procurar eletropostos mais robustos na região: dois estavam ocupados e um, da própria BMW, fora de operação. Atrasei a saída para almoçar no shopping mesmo enquanto o carro recarregava.
Saí com bateria cheia e 293 km de autonomia – a mesma indicada após 100 km, já com 70% da carga. Isso porque reduzi o consumo médio de 24 kW/100 km para 18 kW/100 km usando o modo Efficient, que deixa o iX1 mais dócil e, ao meu ver, mais agradável. Ainda aproveitei a regeneração adaptativa do iX1, que usa o radar do ACC para seguir o ritmo do trânsito. Isso evita frenagens e, se o trânsito estiver fluindo, deixa o carro rolar sem resistência.
A ida foi ótima. Só parei para recarregar após 180 km, no posto Arco-Íris, em Roseira (SP). No carregador de 120 kW, cobra-se R$ 2,50/kW, mais R$ 2 pela conexão. Em 40 minutos, a carga passou de 48 a 100%.
Cheguei na casa dos meus pais com 20% de sobra na bateria de 65 kWh, pois conseguiu regenerar 2% na descida da Serra das Araras. No dia seguinte, o carro ficou 9h20 parado no Shopping Madureira (único carregador da região) recarregando a 7 kW. No dia a dia, porém, usei o carregador portátil do carro na tomada de 220 V de um ar-condicionado, mas limitado a 2 kW. Em 9h, recuperava 20%.
A cidade do Rio de Janeiro só tem dois carregadores rápidos, ambos na zona sul. Visitei os dois para retornar a São Paulo. No Posto Iate, o carregador da Shell (50 kW, R$ 2,10/kW) tem duas tomadas, mas só carrega um carro por vez e já estava ocupado. Na Lagoa, o carregador da Vibra (60 kW, R$ 2,50/kW) estava em modo de emergência, mas eu mesmo consegui fazê-lo funcionar – os frentistas não sabiam o que fazer.
Na Dutra, no sentido São Paulo, precisei pensar no que faria se o carregador de Queluz (SP) estivesse indisponível, então carreguei por 20 minutos em Piraí (RJ), logo após subir a serra. Foi a sorte, pois quando cheguei em Queluz um Dolphin estava iniciando o carregamento.
Segui para o Graal Clube dos 500, em Guaratinguetá (SP), onde cheguei só com 17% e 54 km de autonomia. A recarga levou 1h20, pois é um carregador semirrápido de 40 kW. Finalizei com 91% para dar lugar a uma família em um BYD Seal – que derrubou a energia tentando recarregar simultaneamente. E também por não ter um espaço para quem está viajando com cachorro. Mas foi o suficiente para chegar em casa.
Dura realidade
–
Não é apenas uma questão de infraestrutura. Encontrei um carregador de 120 kW, mas estava ocupado por um caminhão. Motorista e carona ficaram um bom tempo tentando liberar a recarga (paga) por meio do app da EzVolt. Sem conseguirem validar o cartão de crédito, foram embora.
BYD Dolphin EV, por Fabio Black
Carros elétricos nunca me seduziram muito, vindo da geração X, com 43 anos, sou apaixonado por motores a combustão, embora consciente dos problemas ambientais. Minha desconfiança em relação aos elétricos não é de hoje. No início de 2016, tive a oportunidade de conviver com um Nissan Leaf de 1a geração, que nem sequer era vendido no Brasil, em uma pauta que QUATRO RODAS fez com carro cedido pela fábrica. Com a autonomia declarada de 160 km (poucas vezes conseguimos alcançar 80 km) e apenas quatro carregadores localizados em quatro concessionárias (um por endereço), era praticamente impossível estabelecer uma rotina com aquele automóvel (ok, era uma experiência).
Agora contamos com aproximadamente 4.000 carregadores no Brasil e a autonomia do Dolphin com 356 km (no Inmetro), o que transforma um experimento em realidade. Ou seja, um elétrico em um automóvel como um outro qualquer.
Com esse tipo de autonomia, aliado a uma rede de carregadores mínima, é possível desfrutar do carro do jeito que ele foi feito, e não o tempo todo preocupado com autonomia, consumo, onde carregar etc. Aliás, durante os 1.000 km rodados, eu apenas carreguei o carro na tomada da garagem de minha casa com o carregador de emergência que vem no Dolphin. Desta maneira, toda manhã tinha autonomia de 408 km no painel (mais que o homologado). Mas quem roda tanto diariamente? Só taxista.
A autonomia em rodovias cai bastante, principalmente rodando a 120 km/h (nas estradas onde é permitido). Mas eu rodei pouco em rodovias: 180 km, ida e volta, entre Indaiatuba, no interior, e São Paulo.
Portanto, aproveitei o melhor do carro, andando no modo Sport, com regeneração de freios padrão (existem dois níveis, o padrão e o larger, que tem maior atuação) e o ar-condicionado ligado. Sem me preocupar.
Com 95 cv e 18,4 kgfm de torque, o Dolphin é ágil e silencioso, como um Mercedes Classe E. O interior é simples, mas high-tech, com duas telas e poucos botões para controlar o carro. Há freio automático e câmeras por todos os lados. Os bancos são confortáveis e superiores comparados a veículos de mesmo preço no mercado. O espaço interno impressiona, acomodando até cinco adultos, mas seu porta-malas deixa a desejar, não levando nem mesmo uma pequena compra semanal de supermercado.
A suspensão macia e a direção indireta são atributos bem-vindos no uso urbano, mas que não agradam no rodoviário, fazendo com que o carro que pesa 1.405 quilos role em curvas.
O Dolphin é um carro que me atendeu praticamente igual a qualquer outro concorrente em sua faixa de preço, com a vantagem de ser mais barato no dia a dia (o custo por km rodado de energia foi de R$ 0,19), silencioso e ágil. Ao final da experiência com o BYD, minha desconfiança em relação aos elétricos acabou.
Carro de família
O dia a dia com o Dolphin foi surpreendente, atendendo com conforto uma família de dois adultos e duas crianças no cotidiano urbano. A única ressalva ficou para a capacidade do porta-malas. Uma pequena compra semanal no supermercado já foi o suficiente para encher o compartimento.
Ford Mustang Mach-E, por Paulo Campo Grande
A primeira vez que passei em frente a um posto de gasolina, com o Ford Mustang Mach-E, me senti livre e independente, por não precisar de combustível. Meus problemas com abastecimento estavam por vir, porém. Abastecer um elétrico fora de casa está longe de ser uma experiência tranquila. E não reclamo do tempo de espera, porque, sabendo que demora, saía com o espírito preparado e um livro, no console. No período com o Mustang, abasteci seis vezes. Em uma delas, esperei 1h30 só pela vez de recarregar. Falo de outros contratempos.
Em duas ocasiões, tive problemas com o carregador. Na primeira, cheguei com 73%, carreguei somente 9,20 kWh e o processo foi interrompido. Um habitué do lugar disse que o eletroposto operava apenas com metade da potência, 25 kW em vez dos 50 kW prometidos, e que só abastecia até 80%. Insisti em regarregar mais, mas não adiantou.
Na segunda, voltei ao mesmo posto porque, apesar de ter apenas 25 kW, essa era a maior potência disponível na minha região, e eu estava com apenas 30% de alcance. Ou seja: até completar 80% ainda conseguiria abastecer muitos kWh. Só que, desta vez, a falha na estação chegou mais cedo, aos 72%. Apesar de pago, o serviço foi ruim.
Em outro posto com cobrança consegui abastecer, mas apanhei chuva enquanto me cadastrava e iniciava a operação. A cobertura do lugar mal protegia o equipamento. Tudo funcionou a contento em apenas um eletroposto pago. Foi no Posto Badejo, na BR-101, em Bertioga (SP). Estava livre, com 45 kW e eu passei 1h15 distraído com café e pães de queijo. Carreguei até 35,53 kWh, gastei R$ 77,40 mais R$ 36,80 na loja de conveniência.
Entre os eletropostos públicos foram três experiências. No primeiro, um shopping, havia dois pontos ocupados. Um dos carros estava com a carga completa, como constatei pelos leds junto ao bocal de carregamento. Por isso, pedi ao shopping que solicitasse ao motorista, pelo serviço de alto-falantes, a retirada do veículo. Esperei 30 minutos, mas ninguém apareceu. Na segunda vez, entrei em um supermercado. Depois de um tempo procurando onde abastecer, a gente passa a aceitar qualquer proposta.
Antes dessa, o app PlugShare me mostrou um auto-center que realmente tinha o equipamento, mas estava em manutenção. No supermercado não dava para ficar, porém. A capacidade do ponto era de 3 kWh. Assim que conectei o cabo, vi que só conseguiria 100% da carga no dia seguinte, 21h35 depois. Encontrei outro shopping e deu certo. Havia vaga e levei quatro horas para abastecer 29,80 kWh.
Ao volante do Mustang, me tornei sovina, querendo economizar energia a todo custo: pisando leve no acelerador, aproveitando as oportunidades para regenerar energia, desligando o ar-condicionado. Tudo para evitar ter que recarregar. Ainda no meio da jornada, passei de novo em frente a um posto de combustível e senti inveja dos donos de carros a combustão.
Caçador de tomadas
Visitei a marina Porto do Sol, em Nazaré Paulista (SP), na esperança de uma tomada industrial (como o plugue do carregador que veio no carro). Mas a única que havia era a da fritadeira, na cozinha. Encontrei um carregador que aguarda manutenção – pelo estado do aviso (papel amarelo), há muito tempo.
GWM Ora 03, por Leonardo Barboza
De repente a tecnologia chegou! Se no começo de 2023 o carro elétrico parecia tão distante e caro, as marcas chinesas deixaram os elétricos mais próximos. Não dá para dizer o mesmo da infraestrutura de carregamento. Se eu já vivia em apuros e perdia horas na logística dos testes dos elétricos, imagine conviver 20 dias com um carro elétrico.
Com bateria de 48 kWh que dá uma autonomia aproximada de 310 km, a depender do modo de condução, logo procurei me planejar para contar com tempo de sobra na hora de carregar o Ora, caso não tivesse a sorte de encontrar um carregador livre no caminho.
Sempre andando no modo Eco+, o mais econômico possível e que limita a velocidade de 80 km/h e a potência do ar-condicionado, percorri 216 km entre uso urbano e rodoviário e consegui uma média de 6,2 km/kWh. Multiplicando pela capacidade da bateria, o Ora alcançaria 297 km com uma única carga de bateria. Mas preciso confessar que fiquei sempre com o receio de esgotar a energia e não conseguir achar um local para carregar. Então fiz três recargas, duas em eletropostos e uma na minha casa.
Durante as duas recargas, tudo correu tranquilamente, mas é importante ter um bom sinal de rede e internet em seu celular. No meu caso, em uma das vezes o aplicativo não ativava a recarga. Foi necessário procurar um local com o sinal melhor e assim fazer a ativação do carregador.
Em relação ao tempo, por se tratar de um carregador DC, de carregamento rápido, foram carregados 20,68 kWh em apenas 55 minutos na primeira vez e, na segunda vez, 9,80 kWh em 32 minutos e ao custo de R$ 2,10 por kWh. Um custo bem elevado comparado com os R$ 0,78 kWh mais o imposto municipal cobrado pela Enel. Porém, o carregador DC, devido a sua alta potência de recarga, compensa o valor cobrado pelo tempo gasto no carregamento.
Já em casa, pelo fato de morar em apartamento e o condomínio não autorizar recarga, minha saída foi pedir ajuda para o sogro, que mora em casa e tem tomada 220 V de 20 A na garagem. Com 91% de bateria, usando o carregador doméstico que o veículo vem equipado, foi preciso 1h30 para carregar 9% em uma corrente de 6 A. A solução foi fazer outras coisas e deixar o carro espetado na tomada.
Com 100% de bateria, parti para a cidade de Cotia, que fica a 40 km de São Paulo. Mesmo utilizando o modo Eco+, graças aos 171 cv de potência, o Ora ainda é muito divertido em retomadas e arrancadas imediatas, típico de um elétrico. Em regime de rodovia, porém, com velocidades altas e poucas oportunidades para regenerar energia, eu vi a porcentagem da bateria diminuir rapidamente.
O Ora é espaçoso e confortável para os cinco ocupantes, porém deixa a desejar na capacidade de seu porta-malas. Eu teria um como segundo veículo, apenas para percursos urbanos. Para viagens mais longas, ainda prefiro um veículo a combustão.
Ir ou não ir?
O carregamento em casa é bem mais confortável e barato, porém, devido à baixa potência, uma carga chega a levar infinitas horas. Já nos carregadores DC a recarga dura no máximo 2 horas. Mas você precisa encontrar o carregador livre e funcionando, para não perder seu tempo e a viagem.
Renault Megane, por Guilherme Fontana
Mesmo acostumado com os elétricos, que estão cada vez mais presentes em nossos testes, ficar com um durante quase um mês foi desafiador. Os carros movidos apenas a energia elétrica me geram ansiedade, especialmente porque moro em Jundiaí, a cerca de 60 km da capital de São Paulo, cuja infraestrutura para recarga passa longe de ser boa.
Os melhores carregadores estão em um dos dois shoppings, mas que são lentos (7 kW) e quase sempre estão ocupados, já que são apenas duas vagas em cada um. Ao todo, são 16 carregadores lentos espalhados pela cidade, entre estacionamentos, shoppings, supermercados e pontos particulares. Os únicos dois rápidos foram retirados.
Apesar dos problemas de infraestrutura da cidade, a virada de ano com o Renault Megane foi mais tranquila que imaginei. Foram 900 km rodados, o que equivale a cerca de duas cargas completas para a bateria de 60 kWh, suficientes para uma autonomia de 470 km no ciclo WLTP, o mais próximo de sua realidade. No Inmetro, são 337 km. Para isso, o único custo gerado foi o dos R$ 14 do estacionamento de um dos shoppings, cuja recarga é gratuita. As demais foram realizadas em minha casa, com energia solar, sem nenhum custo.
Neste ponto, o crossover tem seus prós e contras. Os prós dizem respeito à velocidade da recarga, já que ele possui um sistema trifásico que permite um carregamento mais rápido. Sua capacidade máxima em carga lenta é de 22 kW, no qual leva 1h50 para ir de 15 a 80%. Em carregadores rápidos, DC, o mesmo é feito em apenas 36 minutos. No carregador doméstico, de 3,5 kWh, a velocidade foi superior a qualquer outro elétrico que já carreguei em casa.
O contra é que o Megane não é vendido com o carregador doméstico, que ajuda bastante. O equipamento, que custa a partir de R$ 1.500, foi emprestado por terceiros. No veículo, apenas um adaptador está presente, mas que é inútil para os padrões brasileiros e acaba ficando guardado.
Na convivência, o Renault é um dos elétricos mais equilibrados do mercado. São 220 cv e 30,6 kgfm, que dão a ele um desempenho de esportivo. Apesar disso, é possível dirigi-lo com tranquilidade, sem exageros, como cantadas desnecessárias de pneus ou saídas da rota, mesmo quando se exige o máximo do pedal do acelerador. Suas acelerações são rápidas, mas suaves, sem serem artificiais. Ele também muda sua personalidade de acordo com os modos de condução: Eco, Sport, Comfort e Perso (personalizável). A boa experiência continua com os quatro níveis de regeneração de energia, que vão do desligado ao que é capaz de parar o veículo apenas soltando o pedal do acelerador, sem pisar no freio. É o chamado “one pedal”.
O Renault Megane é um ótimo carro elétrico para quem, assim como eu, sofre de ansiedade: ele tem recarga rápida, boa autonomia e uma dirigibilidade prazerosa. Porém, não se esqueça de ter um carregador doméstico comum ou um Wallbox em casa.
Na faixa!
A convivência com o Renault Megane foi mais tranquila e barata que o esperado. Em um dos shoppings de Jundiaí (SP), a recarga ainda é gratuita, mas achar uma das duas únicas vagas livre exige muita sorte. Em casa, na tomada comum de 220 V, o consumo também foi zerado graças à energia solar.
Volkswagen ID.4, por Isadora Carvalho
O Volkswagen ID.4 é o único da turma que não é vendido no mercado brasileiro. Ele só pode ser alugado por meio de um serviço de assinatura oferecido pela própria VW ao custo de quase R$ 10.000 mensais, que inclui o gasto com impostos, seguro e manutenção. E foi exatamente por não estar à venda que o ID.4 chamou tanta atenção nas ruas durante os 22 dias que fiquei com ele. Além do ineditismo, o ID.4 é digno de atenção mesmo, pois é o primeiro carro elétrico da VW no Brasil.
Mas vamos ao que interessa: a convivência com o ID.4, no período das festas de fim de ano. A autonomia declarada pela fábrica é de até 520 km no ciclo adotado na Europa (WLTP) e de 370 km no brasileiro (Inmetro). Com esses números em mente, fiquei tranquila, pois as rodagens planejadas seriam mais curtas.
A primeira até Indaiatuba, no interior de São Paulo, a exatos 102,9 km da capital paulista. No quadro de instrumentos marcava 230 km de autonomia, mas como na rodagem rodoviária esse número pode cair drasticamente achei prudente parar em um eletroposto (DC) de recarga rápida na Rodovia dos Bandeirantes. Já de cara tive problema com o aplicativo da empresa, que não cadastrava o cartão de crédito. Após 40 minutos de tentativas, o piloto de testes Leonardo Barboza de forma remota conseguiu liberar o carregamento por meio do aplicativo dele. Esperei mais 32 minutos e voltei para a estrada com 91% de carga e 382 km de autonomia.
Viajei novamente logo após o Natal para Bertioga, no litoral norte de São Paulo e que está a 120 km de distância da capital. Para ganhar autonomia antes da estrada, optei pela recarga rápida outra vez, que assim como da primeira vez é paga e não é barata. O eletroposto da estrada cobrou R$ 2,50 por kWh, somando R$ 83,68. Já no posto de recarga Shell Recharge, localizado na zona oeste de São Paulo, custou R$ 2,15/kWh e em duas recargas em dias seguidos gastei no total R$ 110,95.
Fui para a estrada com 100% de carga e o painel marcava 405 km. Na descida da Serra do Mar, a autonomia chegou a 448 km graças à regeneração de energia proporcionada pelas frenagens. Optei por dirigir no modo de direção B (econômico) e isso fez com que a regeneração ficasse ainda mais eficaz e limitasse as acelerações.
No litoral, me impressionou que eu tivesse um eletroposto lento a menos de 1 km de onde eu estava e um rápido a 20 km de distância. Uma infraestrutura que precisa crescer, mas já é possível observar a evolução.
A convivência foi harmoniosa com o VW elétrico e seria ainda mais tranquila se tivesse um Wallbox na minha garagem. A falta dele gera certa insegurança e isso faz com que mude o modo de direção. Deixei um pouco o prazer de dirigir de lado e priorizei a direção mais eficiente sempre de olho na autonomia e regeneração. No fim das contas, aproveitei pouco o torque instantâneo que só um elétrico pode oferecer. Quem sabe na próxima.
Boa surpresa
Viajei para Bertioga (SP), localizada no litoral norte, e, apesar de não conseguir carregar o VW ID.4 em casa, porque a tomada não era aterrada, encontrei um ponto de carregamento em um supermercado a menos de 1 km de onde ficava. Me surpreendi, pois não esperava encontrar essa infraestrutura.
Volvo XC40 Ultimate, por Eduardo Passos
Na Europa, 900 km servem para ir da França ao interior da Polônia. No Brasil, entretanto, é o suficiente para sair de São Paulo (SP) e mal chegar a Ipatinga (MG), no leste mineiro. A rota segue o tempo todo pela BR-381, e ilustra bem os desafios, por exemplo, de um paulista dono de carro elétrico que queira desfrutar do litoral baiano (ele provavelmente fará o mesmo trajeto).
A bordo do Volvo XC40, a assistência veicular ajuda nas retas da Fernão Dias, e o torque instantâneo é especialmente útil para ultrapassagens na subida para o Vale do Aço, onde caminhões seguram bastante o trânsito. Em anos percorrendo esse trajeto, nunca foi possível superar os pesados com tanta facilidade.
Mas a suspensão dura do utilitário sentiu os buracos brasileiros: imperfeições no asfalto ecoaram bastante pela cabine e os baques eram duros; a descompressão exagerada dos amortecedores traseiros faziam o carro saltar nas lombadas. O SUV médio poderia oferecer ótimo espaço interno, mas traz detalhes estranhos a um carro elétrico, como o saliente túnel central na segunda fileira. Dessa forma, a ida à praia de Guarapari (ES) foi bem apertada para os quatro jovens passageiros, que terminaram os cerca de 400 km com desconforto.
Cerca de 400 km também é a autonomia que, empiricamente, o carro provia com as baterias cheias. Mas a realidade do território brasileiro faz com que isso seja pouco, e a falta de carregadores acentua isso. A ida para a pequena Itambacuri (MG), no norte de Minas, pediu parada longa em Governador Valadares, onde, na ida e na volta, um carregador lento nos segurou por 3h.
A viagem para o Espírito Santo também pediu boas horas em Venda Nova do Imigrante (ES), que poderiam ser amenizadas caso a potência máxima de recarga em Corrente Alternada permitida pelo carro fosse maior. Até a volta para São Paulo trouxe surpresas no carregador rápido da Shell em Belo Horizonte (MG): por mera falta de Wi-Fi no posto, precisamos esperar outras 3h até que a conexão fosse restabelecida. “Eles vieram aqui, instalaram o carregador, levaram as chaves e nos deixaram ‘rendidos’”, explicou o dono do posto, que se queixou de levar bronca dos clientes por um problema que não tem como resolver.
A Volvo também não tem culpa do verão tropical, com temperaturas que frequentemente passam dos 40 oC. Nesse caso, valeu deixar a cortina do teto solar fechada o tempo inteiro, aproveitando o timer do ar-condicionado para já entrar no veículo fresquinho. Isso, entretanto, era mais um vilão da bateria, que nessa reportagem perde para as de modelos como o Mustang Mach-E e o ID.4.
Em raros momentos de frescor, foi possível desligar o ar e marcar até 10 kWh/100 km – metade do consumo médio aproximado, que ilustra o peso da climatização num elétrico e nos faz sentir ainda mais pelo El Niño dessa virada de ano.
TRÂNSITO LENTO
As rotas longas, passando por cidades minúsculas, ficaram ainda mais longas e demoradas pela procura de carregadores e pelo tempo de carregamento (em razão da baixa potência e por falta de Wi-Fi, em um deles). O carro encarou o desafio, mas sofreu com os maus-tratos das estradas.
Resumo da ópera
Confira os dados técnicos (de fábrica), os rendimentos (em nossa pista) e as informações de viagem de cada carro que participou da maratona:
Carro | Motor | Bateria | Autonomia (Inmetro) | 0 a 100 km/h (Teste Quatro Rodas) |
Consumo (Teste Quatro Rodas) |
BMW IX1 | 2 (diant. e tras.), 313 cv; 50,4 kgfm | íons de lítio, 66,5 kWh | 303 km | 5,5 s | 5,5 km/kWh (urb.) 5,4 km/kWh (rod.) |
BYD Dolphin | 1 (diant.), 95 cv; 18,4 kgfm | íons de lítio, 44,5 kWh | 290 km | 12,3 s | 8,4 km/kWh (urb.) 7,6 km/kWh (rod.) |
Ford Mustang | 2 (diant. e tras.), 487 cv; 87,7 kgfm | íons de lítio, 91 kWh | 397 km | 4,2 s | 5,2 km/kWh (urb.) 4,7 km/kWh (rod.) |
GWM Ora 03 | 1 (diant.), 171 cv; 25,5 kgfm | íons de lítio, 48 kWh | 232 km | 8,1 s | 6,7 km/kWh (urb.) 5,7 km/kWh (rod.) |
Renault Megane | 1 (diant.), 220 cv; 30,6 kgfm | íons de lítio, 60 kWh | 438 km | 7,3 s | 7,3 km/kWh (urb.) 7,0 km/kWh (rod.) |
Volkswagen ID.4 | 2 (diant., e tras.), 204 cv; 31,5 kgfm | íons de lítio, 77 kWh | 370 km | 8,4 s | 5,8 km/kWh (urb.) 4,6 km/kWh (rod.) |
Volvo XC40 | 2 (diant., e tras.), 408 cv; 67,3 kgfm | íons de lítio, 78 kWh | 370 km | 4,9 s | 5,6 lm/kWh (urb.) 4,8 km/kWh (rod.) |
Marca/Modelo* | Distância (km) | Consumo (KWh) | Custo/km (R$) | Total (R$)** |
BMW IX1 | 1.300 | 252 | 0,25 | 289 |
BYD Dolphin | 1.000 | 181 | 0,19 | 190 |
FORD Mustang | 1.088 | 139,25 | 0,15 | 163 |
GWM Ora 03 | 216 | 34,83 | 3,27 | 66 |
Renault Megane | 994 | 144,1 | 0,01 | 14 |
Volkswagen ID.4 | 1.026 | 197 | 4,22 | 243 |
Volvo XC40 | 3.505 | 771 | 0,19 | 650 |
*Agradecimentos ao Parque Villa Lobos