Ford Mustang Mach-E é elétrico mais rápido que V8 e não agradará a todos
Ford Mustang Mach-E é mais rápido que qualquer outro Mustang no Brasil. Mas adaptação à era dos EVs tem detalhes que podem não agradar sempre
Os grandes feitos da engenharia servem, também, para refletir como pensava uma geração. E os primeiros capítulos dos carros elétricos serão boa referência, no futuro, para que entendamos como funcionava a indústria nos anos 20 (do século XXI, claro)
Em setembro, QUATRO RODAS foi à sede da Ford, nos EUA, conhecer como a montadora vem tentando se reinventar. Aproveitando a viagem, também tivemos o primeiro contato com o Mustang Mach-E, o Mustang elétrico que agora chegou ao Brasil e já passou por nossos testes.
Em um almoço no interior de Michigan, o assunto com altos executivos da empresa foi de carros elétricos ao retorno do Homem à Lua, que ocorrerá em breve. É o programa Artemis, que será bem diferente do consagrado Apollo, assim como o Mach-E é bem diferente do muscle car que conhecemos.
Os engravatados da Ford sabiam muito sobre a empreitada que foi a corrida espacial, com o pouso lunar ocorrendo às pressas para que os EUA vencessem a União Soviética. Parece até que leram o curioso documento “O Que Fez o Programa Apollo um Sucesso?”, que é basicamente um manual da Nasa para projetos arriscados e que serve bem à corrida pelos carros a baterias.
Uma das lições mais interessantes nesse documento vem de Joe Shea, gerente da agência espacial, que defendia: avanços não podem ser brandos demais, mas a ousadia excessiva também faz mal. E o Mach-E segue essa lógica. A Ford foi atrevida, e apostou no legado para moldar e atrair olhares ao seu primeiro carro elétrico. Ao mesmo tempo, reinventar um Mustang sem motor V8 e cheiro de gasolina era uma demanda difícil que tiraria os engenheiros da zona de conforto.
É um resultado interessante, pois o Mach-E se parece com um Mustang ao mesmo tempo que é bem diferente. A dualidade visível já na carroceria, onde faróis com três listras, o capô com”nariz de tubarão” e as lanternas icônicas são referências óbvias às gerações clássicas.
A traseira de SUV desse que, na verdade é um crossover, por outro lado, é uma forma de mostrar certa ruptura com passado – uma “profanação” que atraiu muitas críticas dos puristas.
Em termos de performance, porém, os brasileiros podem ficar tranquilos. Temos à venda uma única versão, a GT Performance, que calha de ser a melhor: há um motor em cada eixo, com tração integral e, ao todo, 487 cv e 87,7 kgfm. O Mach-E vai de 0 a 100 km/h em 4,2 s, superando tranquilamente os 4,9 s do Mach 1 e seu 5.0 com tração traseira.
Curiosamente, nossa prova mostrou que o elétrico tem autonomia superior à da variante térmica na cidade (473 km, contra 399 km); na estrada, o Mach-E roda 427 km com uma carga (contra 672 km do Mach 1), e com tomadas de corrente contínua a 150 kW leva-se cerca de 30 minutos para recarregá-lo de 20% a 80%.
Mais do que ser rápido em linha reta, o elétrico traz freios a disco da Brembo cujo pedal é intencionalmente sensível. Os amortecedores são adaptáveis, e os ajustes vão de macios a desconfortáveis de tão duros conforme o modo de condução escolhido na central multimídia de 15,5″. Os 596 kg de baterias próximos ao solo contribuem para um centro de gravidade que diminui a rolagem, e a distribuição de peso igual entre frente e traseira, tal como a posição de dirigir, fazem com que muito dos muscle cars reapareça nos sentidos do condutor.
Interior destoante
Até então, o trabalho da Ford encontrara um meio termo ideal, que deixaria Shea orgulhoso. Pois o Mach-E tem seu charme, e é visível o trabalho da Ford Performance para que os atributos esportivos apareçam adaptados para um EV — a dinâmica aqui é superior à de um Porsche Taycan, por exemplo. Mas o interior desequilibra a conta.
Os materiais têm boa qualidade e a escolha de revestimento, com camurça e imitação de aço escovado, lembram um pouco a cabine de um carro de corrida. Mas a tela vertical, ainda que muito interessante para um veículo futurista, rouba atenção e destoa da proposta. O mesmo vale para o quadro de instrumentos, digital e flutuante, que confunde os sentidos: o carro tem estética e comportamento análogos a um Mustang, mas o motorista se sente em um Tesla ou Nio.
Menos mal que o espaço na segunda fileira é farto, enquanto no “velho” Mustang é praticamente inexistente. O porta-malas também agrada com seus 822 l e abre a possibilidade do comprador fazer um “2-em-1”, tendo um veículo que atende à família no dia a dia e diverte muito nos track days ocasionais.
O teto solar é o maior já instalado em um carro da Ford, mas também por isso é fixo e sem cortina. Uma película invisível diminui o efeito estufa, mas não o suficiente para dias de verão que vêm ai, e nesse caso o ar-condicionado roubará uma parcela significativa da autonomia do carro.
Ao contrário dos Estados Unidos, o BlueCruise (piloto automático equivalente ao da Tesla) não está disponível no Brasil. Mas o hardware está presente, e contribui para o bom funcionamento de recursos de automação veicular, como o controle de cruzeiro adaptativo e assistente de permanência em faixa bem calibrados. Tudo isso somado ao ajuste elétricos dos bancos, sistema de som Hi-Fi e carroceria bem ajustada fazem com que longas viagens no Mach-E não sejam problema; pelo contrário.
Talvez sejam esses aspectos que tragam sentido ao Mustang elétrico. Afinal de contas, ele anda bem e faz jus à esportividade do Cavalo; a experiência, entretanto, não é completa. Menos mal que, por R$ 486.000, o comprador brasileiro tem outras utilidades para um tipo de carro que, comumente, servia só para empolgar ao volante, sem aptidão para outras funções que veículos de rua costumam fazer.
Teste Quatro Rodas – Ford Mustang Mach-E GT Performance
ACELERAÇÃO
0 a 100 km/h – 4,2 s
0 a 1.000 m – 24,9 s – 188,0 km/h
Velocidade máxima – 192 km/h
RETOMADAS
40 a 80 km/h – 1,6 s
60 a 100 km/h – 1,9 s
80 a 120 km/h – 2,4 s
FRENAGENS
60/80/120 km/h a 0 – 12,2/21,6/49,7 m
CONSUMO
Urbano – 5,2 km/kWh
Rodoviário – 4,7 km/kWh
RUÍDO INTERNO
Neutro/RPM máx. -/- dBA
80/120 km/h – 56,4/62,2 dBA
AFERIÇÃO
Velocidade real a 100 km/h – 97 km/h
Rotação do motor – n/d
Volante – 2,5 voltas
SEU BOLSO
Preço – R$ 486.000
Garantia – 8 anos ou 160.000 km para a bateria, 3 anos para o carro (sem limite de quilometragem)
Ficha técnica – Ford Mustang Mach-E GT Performance
Motor: elétricos (um em cada eixo), 487 cv, 87,7 kgfm
Bateria: íon-lítio; 91 kWh
Câmbio: automático, 1 marcha + ré, tração integral
Direção: elétrica
Suspensão: McPherson (dianteira) e multilink (traseira)
Freios: discos ventilados (traseira e dianteira)
Pneus: 245/45 R20
Dimensões: comprimento, 474,2 cm; largura, 188,2 cm; altura, 161,3 cm; entre-eixos, 298,5 cm; peso, 2.157 kg; porta-malas, 822 litros (líquidos)/402 litros (VDA)